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sexta-feira, 21 de novembro de 2014

O declínio nos planos para a cidade de Itaboraí, no Rio de Janeiro

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DEPRECIAÇÃO O canteiro de obras do Comperj em Itaboraí. A Petrobras reduziu a ambição da obra. Mesmo assim, os preços subiram de US$ 6,1 bilhões para US$ 47,7 bilhões (Foto: Divulgação)
Capítulo 1
O SONHO

Luiz Fernando Guimarães é engenheiro metalúrgico, tem 60 anos e muita experiência na iniciativa privada como líder de projetos industriais. Em janeiro de 2013, foi convidado para colocar essa experiência a serviço do poder público. Ele aceitou o cargo de secretário de Desenvolvimento Econômico do município fluminense de Itaboraí. Uma posição importante. Desde 2006, Itaboraí era a sede de um projeto superlativo. A maior obra em curso da maior empresa brasileira, a Petrobras: a construção de uma refinaria de petróleo acoplada ao maior polo petroquímico do Brasil. A construção do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, o Comperj, transformou o município de Itaboraí numa espécie de Eldorado de Carajás. Como o garimpo paraense, a cidadezinha da região metropolitana do Rio de Janeiro prometia oportunidades de emprego e enriquecimento. Logo no primeiro dia, Luiz Fernando se espantou com o preço de aluguel: R$ 3.900 por uma casa de dois quartos. Um preço não muito diferente do que pagaria no Rio de Janeiro, onde morava. Aceitou porque não achou nada mais barato.
Antes do Comperj, Itaboraí era uma cidade pacata e pobre. Estava na 62a posição em Índice de Desenvolvimento Humano do Estado do Rio, entre 92 municípios. Em Itaboraí, apenas 1% das residências estão ligadas à rede de esgoto, e só 29% conectadas à rede de água – o restante usa poços. A construção do Comperj deveria transformar essa realidade. A previsão era que fossem gerados 220 mil empregos diretos e indiretos – a população total da cidade é de 218 mil habitantes, segundo o Censo de 2010. O projeto inicial previa a construção de uma refinaria. Essa refinaria deveria oferecer insumos ao parque petroquímico. E o parque petroquímico deveria atrair para a região um cinturão de indústrias de plásticos. Eis o segredo da multiplicação de empregos – e a razão do aluguel alto que Luiz Fernando teve de pagar.

A população de Itaboraí sonhava ainda mais alto. Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou a pedra fundamental da maior obra da Petrobras, em 2006, fez um discurso em Itaboraí. Na ocasião, prometeu que o governo federal construiria uma escola técnica. O Instituto Federal Fluminense deveria ter 25 laboratórios, biblioteca, auditório, 12 salas de aula e ginásio esportivo para 1.200 alunos. De lá, deveriam sair funcionários capacitados a trabalhar na refinaria e no polo petroquímico. Houve também investimentos privados na área de educação. Quase ao lado da prefeitura, na praça principal de Itaboraí, o pernambucano Alberto Silveira instalou a ANS Concursos. “Aqui você aprende fazendo. Habilite-se para o Comperj” é, até hoje, a propaganda estampada na fachada.

Oito anos depois do lançamento da pedra fundamental, o Eldorado virou poeira. Itaboraí se tornou um caos com problemas de trânsito, índice de criminalidade crescente e rede de saúde em colapso. O secretário Guimarães compara a situação à reforma radical de uma casa. O transtorno compensa se, depois, ali emergir uma mansão. Nada indica que isso vá acontecer em Itaboraí. Um indício de que algo vai mal é a depreciação brusca do mercado imobiliário. Guimarães acaba de se mudar para uma casa maior e mais espaçosa. Pagará um aluguel de R$ 2 mil, pouco mais da metade do que pagava antes.

Capítulo 2

A REALIDADE

O que está errado é o próprio Comperj. A refinaria com o maior polo petroquímico do Brasil era, na verdade, um grande equívoco. A obra afundou por irregularidades e erros de projeto. No capítulo das irregularidades, existe dinheiro suspeito, vindo da Diretoria de Abastecimento de Paulo Roberto Costa, o executivo da Petrobras preso na Operação Lava Jato, da Polícia Federal. Diferentes análises do Tribunal de Contas da União apontaram atrasos significativos, prejuízos de centenas de milhões de reais, gestão temerária e falta de clareza na divulgação dos custos pela Petrobras.

No capítulo dos erros de projeto está a constatação, posterior, de que a obra era inviável em sua megalomania. Depois de reavaliar o Comperj, a Petrobras decidiu construir apenas a refinaria e deixar de lado o polo petroquímico. Mesmo sendo a maior refinaria do Brasil, ela gerará bem menos empregos: 2 mil, entre diretos e indiretos, segundo previsão. Isso é menos de 1% do total estimado caso houvesse o poder multiplicador do polo petroquímico. Com o redimensionamento, o custo, em vez de diminuir, disparou. Um dos mistérios que o TCU investiga é como o orçamento inicial de US$ 6,1 bilhões, em 2006, pôde se transformar num gasto de US$ 47,7 bilhões – previsão atual da obra. Para continuar na comparação de Luiz Fernando Guimarães: é como se alguém decidisse construir uma mansão, o orçamento se multiplicasse por sete – e, na hora da entrega da obra, recebesse do arquiteto as chaves de um barracão de zinco.

CAOS O empresário Alberto Silveira (à esq.),  o secretário Luiz Guimarães (abaixo)  e o prefeito Helil Cardoso: “Estamos como o rapaz que engravidou a namorada, não tem dinheiro, mas teve de casar correndo” (Foto: Eduardo Zappia/ÉPOCA)
Até agora, o Comperj só gerou empregos para os “pedreiros”, os operários da construção. Eles próprios começam a ir embora por causa das dimensões mais modestas da obra. Dos 30 mil que havia no auge, restam 17 mil. A escola técnica federal que Lula prometeu construir há oito anos ainda está em obras. Dias atrás, quando ÉPOCA esteve em Itaboraí, não havia nenhum operário no local. Segundo o diretor da unidade, César Dias, uma nova licitação foi feita, e as obras deverão recomeçar em breve. A escolinha privada de Alberto Silveira, a ANS, também está em crise. “A inadimplência em dezembro é um problema sério. Vão todos embora para os Estados, quando voltam em janeiro estão ‘duros’. Só vou ver dinheiro em fevereiro”, diz. Sem a linha de produção de petroquímicos, muitas fábricas cancelaram os planos de se instalar na região. O tipo de emprego gerado é bem diferente do que se imaginava. Os candidatos que chegam diariamente à cidade são, na maioria, serventes e ajudantes de pedreiro, entre os homens, e auxiliares de limpeza, entre as mulheres.
A única notícia boa vem da área das finanças públicas. A receita de Imposto Sobre Serviços do município multiplicou por seis desde 2010, de R$ 46 milhões para R$ 270 milhões. A arrecadação total da cidade dobrou. Por que isso não beneficia a população? O prefeito de Itaboraí, Helil Cardoso, do PMDB, responde: “Estamos como o rapaz que engravida a namorada e não se preparou para casar, mas tem de juntar os trapos correndo”. A prefeitura estima que a cidade tem uma população flutuante de 40 mil pessoas ligadas ao Comperj, ou com esperança de trabalhar lá. Essa população usa os serviços e a parca infraestrutura disponível. Isso significa aumento das matrículas escolares, dos atendimentos hospitalares, desordem urbana, preços altos e violência. A soma de tudo isso transformou o sonho em pesadelo.

Capítulo 3

O PESADELO​

Na Avenida 22 de Maio, principal via do centro de Itaboraí, o trânsito intenso começa às 5 horas da manhã. É o horário em que os ônibus de trabalhadores e os caminhões do Comperj dão início ao engarrafamento diário, a caminho do trabalho. À medida que as horas passam e o sol quente de Itaboraí sobe, a avenida movimentada e empoeirada se transforma numa sauna seca, superlotada, a céu aberto. Andar pelas calçadas estreitas e desniveladas, repletas de barracas de camelôs, sem esbarrar em ninguém, demanda atenção e perícia do transeunte. Acidentes e atropelamentos se tornaram mais frequentes, em razão do grande número de veículos, da má qualidade das vias públicas e da ausência de sinalização adequada e de passarelas. São 900 ônibus só do Comperj. Há um fluxo intenso de caminhões de equipamento pesado passando pela cidade – 95% das ruas são de terra.

Para o prefeito Cardoso, a maior carência do município é na área da saúde. Há dez anos, havia três casas de saúde em Itaboraí. Todas fecharam. Só restou o Hospital Municipal Leal Junior, sobrecarregado com o crescimento da demanda por atendimento de 1.000 pacientes a mais por mês. “Se você for ao hospital agora, a emergência está lotada, sem vaga para internação. Nas duas vezes em que houve acidentes no Comperj (num deles houve um morto e 22 feridos), parou o hospital”, diz Cardoso. Ele obteve R$ 15 milhões em emendas parlamentares para reformar as instalações. O produtor musical Sérgio Espírito Santo diz ter sentido na pele o problema. “Minha mãe morreu por erro médico no hospital municipal. A cidade só perdeu com o Comperj. Antes, não tinha camelô na rua. O trânsito está caótico. Está tudo caro.”

Enquanto isso, a violência aumenta vertiginosamente em Itaboraí. De janeiro a agosto, os homicídios subiram 31% em comparação com 2012. Os roubos de veículos, a transeuntes e a estabelecimentos comerciais dobraram, segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP). Os estupros registrados diminuíram, mas ainda ocorrem na escala de um a cada três dias, facilitados pela má iluminação.

Ainda assim, shoppings e prédios comerciais continuam a subir e a ser inaugurados, ainda com esperanças no “boom” do Comperj. A especulação, que atingiu seu auge no passado e “desalojou muita gente”, segundo Cardoso, dá sinais de falta de fôlego. Empreendimentos mistos de salas comerciais e residências, shopping centers e flats estão em construção, mesmo sem a perspectiva de um retorno financeiro antes tido como certo. Há anúncios de terrenos e de lançamentos por toda a cidade, mas os preços dos imóveis caem drasticamente, como comprova o aluguel da casa nova do próprio secretário Guimarães – uma boa notícia para o bolso dele, mas péssima para o cargo que ocupa.

Fonte:  Revista Época - www.epoca.com.br

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