O Psol elegeu um reacionário?
Eleito deputado federal pelo partido, o Cabo Daciolo diz que
Brasil vive ditadura, coloca Deus à frente do mandato e defende um
militar para ministro da Defesa
Cabo Daciolo ficou conhecido ao liderar movimento grevista de bombeiros no Rio de Janeiro em 2011 |
Renan Truffi
Um vídeo de pouco mais de três minutos divulgado no Facebook pegou de
surpresa o PSOL na última semana. Eleito deputado federal pelo partido, o
Cabo Daciolo (Psol-RJ) declarou na rede social que o Brasil vive uma
“falsa democracia”, defendeu a indicação de um general para o Ministério
da Defesa e ainda relacionou os índices de violência com o “baixo”
número de militares no País. Antes mesmo de assumir o cargo, o militar
dá sinais de que, apesar de ter liderado uma greve dos bombeiros no Rio
de Janeiro, não é tão progressista como o partido pensava.
No vídeo, Cabo Daciolo diz que o Brasil precisa de “união” com os
militares para ser uma “grande potência”. “Não sou a favor da ditadura,
nem da falsa democracia que estamos vivendo. E acredito que a união do
militar com a população faz do nosso País uma grande potência. Eu
acredito na soberania do nosso País. Hoje nós temos o Ministério da
Defesa. O senhor Celso Amorim é o ministro. E particularmente eu acho
inadmissível que o cargo não seja de um oficial general, no último grau
da hierarquia das Forças Armadas, podendo ser do Exército, da Marina ou
da Aeronáutica”, diz.
O deputado federal Chico Alencar, que também é do Psol do Rio de
Janeiro, admitiu que o episódio “chocou” as lideranças do partido.
“Essas declarações, que evidentemente não têm a mínima identificação com
o Psol, nos surpreenderam”, afirmou antes de criticar o discurso do
colega. “Além de ter essa visão extremamente reacionária, atrasada, é um
pouco prepotente. Ele convoca militares para discutir a importância de
um oficial-general para chefiar o Ministério da Defesa. Ele está
distante até das democracias liberais modernas”, complementou.
Essa não foi a primeira demonstração ideológica do militar que pareceu
“preocupante” para a legenda. Em alguns vídeos, o Cabo Daciolo também
demonstra costumes que “beiram o fundamentalismo religioso”, como
classifica o deputado Jean Wyllys (Psol-RJ). Em uma das imagens, o
bombeiro diz que seu mandato é de Deus. “Acredito em um Deus vivo. Esse
mandato é ele [Deus] que está à frente, nos guiando. Ele é o Deus do
impossível”, profetiza.
O momento mais “constrangedor”, segundo os socialistas, foi na
segunda-feira 15, quando os deputados eleitos foram diplomados na
Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. O Cabo Daciolo participou do
protesto da bancada do partido em repúdio à violência contra a mulher. A
manifestação tinha como pano de fundo as declarações polêmicas de Jair
Bolsonaro (PP-RJ). O deputado afirmou que não estupraria Maria do
Rosário (PT-RS) porque “ela não merecia”. Mas, após o ato, o Cabo
Daciolo foi “tietar” justamente Bolsonaro e seu filho, alvos da ação, e
ainda tirou uma foto com os parlamentares.
“Me chocou o vídeo do Daciolo. Achei que é uma pessoa que não está bem
situada politicamente, afinal de contas ele está no Psol”, afirmou Jean
Wyllys, que costuma fazer frente justamente a Bolsonaro na Câmara. “Eu
já tinha visto um vídeo dele exageradamente religioso. Falando que vai
estar a serviço de Jesus, quase beirando um fundamentalismo religioso.
Esse vídeo já tinha me deixado um pouco constrangido”, explica o
deputado.
A aproximação de Cabo Daciolo com o partido se deu após o militar
liderar a greve dos bombeiros no Rio de Janeiro, em 2011. Na ocasião,
ele comandou a invasão do Quartel General da corporação e o acampamento
nas escadarias da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Mas como o Psol
não percebeu que, ainda que tenha despontado como liderança de um
movimento grevista, o cabo pudesse ser conservador em outros assuntos?
“Ele se filiou próximo do período eleitoral. Nas conversas preliminares
que tivemos ele pareceu ter uma postura progressista. Foi muito aberto,
afável, disposto a ouvir. Como nós apoiamos muito esse movimento
[grevista], sempre tivemos diálogo [com ele]”, minimiza Chico Alencar.
A reportagem tentou entrevistar o Cabo Daciolo para entender por que ele
escolheu o PSOL e se não via problema em ter uma conduta destoante do
partido. O militar chegou a atender uma das ligações, mas pediu que
CartaCapital retornasse em outro horário. E não respondeu novamente. O
militar parece não estar disposto, no entanto, a seguir as orientações
do partido. Na noite desta quinta-feira 18, o bombeiro usou o Facebook
para dizer que não tem obrigação de entoar ideais do próprio partido.
Ele também disse que o pedido de cassação do mandato de Jair Bolsonaro,
encampado pelo Psol e outros três partidos, é "eleitoreiro".
"Me reservo o direito de não trazer para minha ação política o debate
que hoje mobiliza setores do meu partido, o Psol e o deputado Jair
Bolsonaro. Não fui chamado pelo Psol e por nenhum outro setor a debater e
preparar campanha pela cassação do mandato do deputado Bolsonaro. Se
isso tivesse ocorrido, mesmo achando as posições deste erradas, não
concordaria. Acho a tática equivocada, inclusive eleitoreira", criticou.
Religioso, o militar organizava orações durante suas atividades de campanha |
Com a polêmica, o partido deve se reunir para cobrar explicações do
deputado federal ou orientá-lo. “Vamos conversar com ele e lembrá-lo que
na sua nova função pública ele expressa a visão do partido. Ele não se
elegeu sozinho”, avisa Alencar.
Agora, o risco é que o militar acabe se aproximando de setores que
sempre foram opostos ao Psol no Congresso, como a Bancada da Bala ou a
Bancada Evangélica. Caso isso aconteça a legenda indica que poderia
reivindicar o mandato na Justiça. “Eu não gosto de fazer futurologia. É
evidente que nenhum membro da bancada do Psol pode ser da Bancada da
Bala, ou da Bancada do Agronegócio, ou da Bancada da Bola. A nossa
identidade é exatamente não estar atrelada a nenhuma corporação dessas”,
rebate o deputado Chico Alencar.
Nota do editor
A matéria é da Carta Capital, o que
explica o discurso facistóide e o tom alarmado. O fato é que as opiniões
do cabo estão causando arrepios na esquerdalha carioca.
Carta Capital/montedo.com
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