Ele veio para cá fazer a guerra, acabou afundando, e foi encontrado
por exploradores brasileiros. A Marinha não quer que o submarino seja
mexido. Mas uma expedição conseguiu ir até ele. Veja o que ela encontrou
Daniela Schwanke (Ilustração: Alexandre Jubran/Design: Inara Negrão)
Em janeiro de 1942, o Brasil cortou relações diplomáticas com a Alemanha
de Hitler. Os nazistas responderam de modo enfático: mandando uma frota
de submarinos para a nossa costa. Sua missão era impedir o envio de
suprimentos dos EUA para a Europa, torpedeando os navios que passassem
pelo Atlântico. O alvo principal era a Marinha americana, mas também
sobrou para nós: até o final da guerra, os nazistas afundaram 36 navios
mercantes brasileiros, deixando 1.074 mortos. Um verdadeiro massacre,
que gerou comoção nacional na época. Os alemães enviaram 25 submarinos
para patrulhar o Brasil. Onze foram afundados pelos Estados Unidos.
Apenas um deles, o U-513, foi localizado até hoje. Ele foi encontrado
pelo velejador Vilfredo Schurmann, que passou anos procurando os
destroços e está produzindo um filme a respeito (Em Busca do Lobo
Solitário, atualmente em fase de edição). "A área de busca era muito
grande. Era como procurar uma agulha no palheiro", conta.
INFERNO SUBMERSO
O U-513 era chefiado pelo almirante Friedrich Guggenberger, um herói
entre os nazistas. Em 1941, ele foi condecorado pelo próprio Adolf
Hitler por ter afundado um porta-aviões britânico. Guggenberger era de
uma eficiência implacável - até o final da Segunda Guerra, ele afundou
17 navios. Mas a vida dentro de seu submarino não era das mais
agradáveis. "Pegava-se um motor e construía-se um submarino em volta",
diz Telmo Fortes, autor de um livro sobre o U-513. Isso significa que
não sobrava espaço para quase nada - nem para que cada um dos
tripulantes tivesse o próprio colchão. "Eles adotavam o chamado `beliche
quente¿. Quando terminava seu turno, o marujo que saía do serviço se
recolhia a uma cama que vagava." Havia apenas dois banheiros, um dos
quais foi transformado em despensa - e os presuntos, salames e peças de
carne de porco salgada ficavam pendurados ao longo do corredor central,
dificultando ainda mais a circulação.
O U-513 era bem primitivo para os padrões atuais. Usava tecnologias
herdadas da Primeira Guerra Mundial e tinha de ser frequentemente
abastecido por outros submarinos, conhecidos como "vacas leiteiras", que
levavam combustível (diesel), armas e mantimentos. Começou a navegar em
agosto de 1942, mas Guggenberger só assumiu seu comando em maio de
1943. Não duraria muito. No dia 19 de julho, um hidroavião americano viu
o submarino na costa de Santa Catarina - e lançou duas bombas sobre
ele. A segunda pegou em cheio. Apenas sete tripulantes sobreviveram,
entre eles o próprio Guggenberger. "Os militares [americanos] poderiam
tê-los deixado em alto-mar, mas preferiram salvar os sobreviventes", diz
Schurmann. Guggenberger foi levado até uma penitenciária no Arizona,
onde ficou até 1944. Em 23 de dezembro daquele ano, ele e outros 24
prisioneiros de guerra fugiram. Ele chegou a ser recapturado perto da
fronteira com o México, mas acabou liberado pelos Aliados em 1946.
Voltou à Alemanha, onde chefiou um quartel-general da Otan (Organização
do Tratado do Atlântico Norte, aliança militar coordenada pelos EUA na
Europa) até se aposentar em 1972.
PERMISSÃO NEGADA
Vilfredo Schurmann soube do afundamento do submarino em 2002, enquanto
fazia uma regata da ilha de Vitória até a ilha de Trindade - a
aproximadamente 1.500 quilômetros de distância da costa brasileira em
direção à África. "Em uma das noites, conversando com um fotógrafo e
amigo meu, ele me mostrou um livro." Era A Última Viagem do Lobo
Cinzento, o livro escrito por Telmo Fortes. A partir daí, foram 11 anos
de pesquisa, entrevistando especialistas e pessoas envolvidas na
história. "Fizemos um levantamento de dados, checamos e rechecamos
informações, definimos uma área de busca, juntamos uma equipe de
arqueólogos, oceanógrafos, biólogos e engenheiros", diz Schurmann. Foram
18 expedições de barco. A equipe usava um sonar, que funcionava como um
radar submerso. Não era fácil enfrentar o mar agitado e ao mesmo tempo
içar e submergir o sonar, que ficava conectado por um cabo de 130 metros
[veja no infográfico]. "Muitos da equipe desistiram", conta ele. Até
que, depois de dois anos varrendo o fundo do mar, finalmente o submarino
foi encontrado. "Foi uma emoção indescritível", diz Schurmann.
Segundo ele, o submarino tem um grande furo no casco e está com o bico
de proa quebrado, mas de resto está intacto. Ou seja, dentro dele com
certeza há tesouros históricos de enorme valor - e, muito provavelmente,
os esqueletos de 47 soldados nazistas.
Por isso, a Marinha negou o acesso ao local. Não permitiu que
mergulhadores desçam até o U-513. "Nós solicitamos a exploração, como já
foi feita em vários países", diz o velejador. Procurada pela SUPER, a
Marinha explicou que o lugar é considerado um "túmulo de guerra" (local
onde há restos mortais de combatentes), e por isso não é permitido mexer
nele. "Eu entendo que deveria ser permitida a exploração [por
mergulhadores], para poder identificar alguns objetos do U-513. O
mergulho seria feito com total segurança. Estávamos com tudo preparado",
lamenta Schurmann. A Marinha só autorizou a ida de um robô até o
submarino, o que já foi feito. As imagens gravadas por ele farão parte
do documentário sobre o U-513, que será lançado no ano que vem.
No final de setembro, Schurmann partiu com a família para uma nova
expedição de veleiro. Eles irão passar por cinco continentes (veja o
itinerário em expedicaooriente.com.br), e só deverão voltar ao Brasil em
dezembro de 2016. Ele diz que não tem intenção de procurar outros
submarinos afundados na costa brasileira. Mas acha que um deles pode ser
encontrado: o U-199, afundado ao largo da cidade do Rio de Janeiro. "Os
outros foram afundados em profundidades bem maiores, no Nordeste." A
costa brasileira ainda guardará segredos da Segunda Guerra por muito
tempo. Alguns, para sempre.
O SUBMARINO
O U-513 tinha motores a diesel - que acabava e tinha de ser reposto após
alguns meses. Não era como os submarinos nucleares de hoje, que nunca
precisam ser reabastecidos.
A BUSCA
Projeto usou mesmo veleiro no qual a família Schurmann cruzou o planeta em 1997.
2 anos foi a duração da busca pelo submarino.
18 foi a quantidade de expedições para procurá-lo.
20 km² foi a área rastreada. É o equivalente a 13 Parques do Ibirapuera.
135 metros é a profundidade na qual o submarino foi encontrado.
SENSOR
Funciona como um sonar (radar submarino), emitindo ondas sonoras para
localizar objetos submersos - que refletem essas ondas. É conectado ao
veleiro por um cabo de 130 metros.
ARMAS
Três canhões, um deles antiaéreo, mais 22 torpedos e 44 minas explosivas.
Tripulantes 54
Autonomia 25.000 km
Velocidade 15 a 31 km/h
Peso 760 toneladas
“Os que não aprendem com a História, vão repetir sempre os mesmos erros”.
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