Por Major Sergio Alexandre de Oliveira e Sgt Jerry Lencina Buonocore
Dentre as diversas
missões de paz nas quais o Brasil se faz representar, recentemente a
Forca Interina das Nações Unidas no Líbano (UNIFIL) veio a somar mais
uma oportunidade da Força Terrestre Brasileira de participar
internacionalmente do esforço de promover a paz.
Trata-se de uma longa
operação e que na atualidade conta com contingentes militares de 37
países para buscar a estabilidade na porção sul daquele país. Conheça
a República do Líbano, é um país localizado no Oriente Médio e o seu
clima é o mediterrâneo, com verão longo e seco e com inverno frio e
chuvoso.
O Líbano possui
superfície de 10.230 km², o que corresponde à metade da área do Estado
de Sergipe. Sua população atual é de 3,8 milhões de habitantes. É
importante destacar que apenas no Brasil estima-se que residam 7 milhões
de descendentes de libaneses. Não existe religião oficial no Líbano. No
país existem 18 confissões diferentes. Em geral, se estima que 60% da
população seja muçulmana e os demais sãos cristãos.
As Forcas Armadas
Libanesas contam com efetivo de aproximadamente 53 mil militares, dos
quais 50 mil estão no exercito. A divisão de postos e cargos segue uma
logica religiosa, para evitar um desequilíbrio interno. A maioria dos
generais e de origem crista, mas os oficiais e a tropa são de maioria
muçulmana (mais de 60%).
História
A porção geográfica
atualmente conhecida como Líbano aparece na historia inicialmente em
3.000 A.C. com o povo que mais tarde foi chamado de “fenício”. Na
historia recente, alguns fatos de grande relevância alteraram
significativamente a evolução social e politica do país, como a Guerra
Civil Libanesa (entre 1975 e 1990), as intervenções israelenses dentro
do território libanês (em 1978, 1982, 1993, 1996 e 2006) e pela ocupação
Síria no Líbano de 1975 a 2005.
Fruto das intervenções
externas, e mais precisamente da intervenção israelense em 1982, surgiu
no sul do Líbano o grupo chamado “Hezbollah” (Partido de Deus). Seus
quadros são compostos por muçulmanos chiitas e sua fundação visava à
defesa do Líbano contra Israel e contra a influência ocidental.
Modernamente, visa
instalar um regime islâmico no poder e opera tanto como um partido
politico e como instituição de apoio social, mas também atua um grupo
armado de resistência, valendo-se inclusive de técnicas terroristas para
perseguir seus objetivos.
Em face do cenário de
instabilidade local, a Organização das Nações Unidas optou por desdobrar
na região uma forca multinacional capaz de contribuir para o
fortalecimento do Estado Libanês e da paz regional.
Breve Histórico da UNIFIL
A UNIFIL constitui-se em
uma das missões de paz mais longas da história da ONU, tendo sido
ativada em 1978. Em virtude das hostilidades de grupos palestinos
estabelecidos dentro do Líbano, que realizavam ações militares e
terroristas dentro de Israel desde o inicio da década de 1970, o Estado
de Israel invadiu o sul do Líbano em 1978, ocupando toda a área ao sul
do Rio Litani.
Em um primeiro momento, o
Conselho de Segurança da ONU criou UNIFIL em 1978 para confirmar a
saída das tropas de Israel que haviam invadido o Líbano, para restaurar a
paz e para ajudar o Governo do Líbano para que restabelecesse sua
autoridade na área anteriormente ocupada por tropas israelenses.
Ate 2006, apesar de leves
violações da Blue Line (fronteira entre Israel e Líbano), a situação
local podia ser considerada estável. Contudo, apos o sequestro de dois
militares das Forças de Defesa de Israel (Israel Defense Forces – IDF)
na fronteira com o Líbano em julho de 2006, Israel voltou a invadir o
sul do Líbano.
Atualmente, a UNIFIL
possui o efetivo de 10.236 peacekeepers, oriundos dos seguintes países:
Alemanha, Armênia, Áustria, Bangladesh, Bielorrússia, Bélgica, Brasil,
Brunei, Camboja, China, dentre outros. Em toda a sua historia, a UNIFIL
computa 293 capacetes azuis mortos em ação.
O Brasil participa da Missão com a Marinha do Brasil e o Exército Brasileiro.
Os militares do EB estão
integrados em uma das duas brigadas multinacionais existentes na UNIFIL.
A brigada que controla o chamado Sector East da missão se encontra sob
comando do Ejercito de Tierra de Espana, na denominada “Operação Libre
Hidalgo XXII”. Tal brigada foi estabelecida com base na Brigada de
Infantaria Mecanizada “Guzmán El Bueno X” (BRIMZ X), sediada na cidade
de Córdoba, sul da Espanha.
Os militares desempenham
as seguintes funções: 01 Major na seção de inteligência (G2), 02 Majores
e 1 Subtenente na seção de operações (G3), 01 Major na seção de
logística (G4), 01 Subtenente na Seção DVB (Distinguished Visitors
Bureau) e 01 Sargento na seção PIO (Public Information Office). Cabe
destaque que se trata de uma das primeiras oportunidades que o EB envia
praças para compor um Estado Maior de Forca Multinacional sob a égide da
ONU.
Os militares brasileiros
escalados para compor o contingente da UNIFIL realizaram sua preparação
inicial no Brasil junto ao Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil
(CCOPAB). Nesse período foram vistos assuntos gerais sobre a ONU e
sobre suas missões de paz, bem como a especificação do ambiente
operacional Libanês e sobre a UNIFIL em si.
Finalizada a preparação
no Brasil, os militares mencionados seguiram para um período de dois
meses de treinamento na Espanha, onde se juntaram a BRIMZ X, baseada na
cidade de Córdoba, objetivando a ambientação na rotina de trabalho,
integração aos militares espanhóis que constituíam o estado maior da
brigada, aprimoramento linguístico em espanhol e inglês e adaptação ao
material de emprego espanhol que seria de uso dos brasileiros.
Em Córdoba, as atividades
de instrução nas quais os militares brasileiros participaram foram
diversas, destacando-se as seguintes: tiro de adaptação ao fuzil Heckler
und Koch (HK) G36 e a pistola HK USP, exercícios em simulador virtual
de tiro de armas curtas, instrução prática sobre IED (Improvised
Explosives Devices), identificação de EOD (Explosive Ordnance Devices),
ambientação a área de operações, considerações jurídicas do emprego de
tropa no Líbano, orientação psicológica para os integrantes da ONU,
instruções sobre gênero, dentre inúmeras palestras acerca da cultura,
costumes e hábitos do mundo muçulmano.
Em novembro de 2014 teve
inicio a rotação de efetivos espanhóis, no qual estavam inseridos os
militares brasileiros. Quando da chegada ao Líbano, a inserção na rotina
operacional dos militares do EB foi natural, a integração com os demais
contingentes presentes na missão foi rápida e, aos poucos, foi possível
vivenciar o clima de “calma tensa” na região do sul do Líbano.
O Sector East (SECEAST),
comando de brigada onde os militares do EB estão inseridos, é
responsável pela porção do Líbano meridional próximo a fronteira
tríplice entre Israel e Síria.
Trata-se de uma região
historicamente conturbada, onde ao longo do passado recente ocorreram
combates em zonas que estão dentro de sua área de responsabilidade como
as Colinas de Golã (palco de combates entre blindados entre Síria e
Israel na Guerra do Yom Kippur em 1973), as Fazendas de Cheeba (área com
forte presença de grupos terroristas) e a cidade de El Khiam (um dos
bastiões defensivos do Hezbola nos combates de 2006 contra Israel).
Para controlar essa
porção de terreno, o SECEAST possui aproximadamente 3.400 militares de
diversos países. O Setor possui batalhões oriundos da Índia (INDBATT),
Nepal (NEPBATT), Espanha (SPANBATT, que possui uma companhia de
fuzileiros mecanizada da Servia e um pelotão de fuzileiros de El
Salvador) e Indonésia (INDBATT).
Além disso, possui uma
companhia indonésia independente como reserva do Sector (TASK FORCE B),
uma Companhia de Policia também da Indonésia (Scctor Est Military Police
Unit – SEMPU), um Pelotão de Cavalaria Mecanizada e unidades de apoio
(engenharia, comunicações e logística) de origem espanhola.
Existem dois hospitais
desdobrado na área de operações para suporte de nível 1 e 1 Plus, sendo o
primeiro de origem espanhola e o mais completo de origem origem
chinesa. Permanentemente na área de responsabilidade (AOR) do SECEAST
ficam desdobradas uma Companhia de Engenharia do Cambodja e um Pelotão
de Cavalaria Mecanizada da Force Commander Reserve (do exercito
francês).
A partir do SECESAT
Headquarter (SECEAST HQ) e exercido o comando e controle da operação da
ONU naquela porção de terreno. Os batalhões e subunidades destacadas que
atuam em proveito desse comando cumprem missões operativas de
patrulhamento de área, operação de postos de observação fixos e móveis,
controle de movimento em eixos rodoviários e apoio e assistência às LAF,
para que estendam seu controle para a área compreendida entre o Rio
Litani e a Blue Line.
Também são realizadas
ações de integração civil militar em apoio à população nas áreas de
saúde, educação, cooperação financeira e veterinária. Projetos de
Impacto rápido da ONU também são conduzidos para ajudar a população
libanesa e os refugiados que estão assentados na área ao sul do Rio
Litani.
De maneira semelhante ao
que ocorre no Haiti, o militar brasileiro e recebido de maneira
diferenciada pela população local. De forma geral todos são amistosos,
conhecedores do nosso país e existe uma razão fundamental para isso: a
elevada proporção de imigrantes libaneses que vivem no Brasil.
Praticamente toda família local possui parentes próximos no Brasil e a
impressão geral do libanês e de que o povo brasileiro e amistoso,
tolerante, alegre e solidário.
Em um episodio típico da
região, e que serve para contextualizar o conceito de “paz tensa”
vigente na área de operações, ocorreu no dia 28 de janeiro de 2015 uma
ação do Grupo Libanês Hezbollah contra as IDF na região próxima a cidade
de Ghajjar. O confronto começou com uma emboscada do Hezbolah usando
misseis anti carro contra 2 veículos leves de Israel.
Nesse ataque 2 soldados
das IDF morreram e 7 ficaram feridos. Imediatamente apos o ataque, o
Hezbollah disparou uma salva de foguetes contra alvos no interior de
Israel. As IDF revidaram o ataque com salvas de artilharia 155m em torno
de 20 minutos depois da emboscada. Um disparo de alto explosivo, que no
momento está sob investigação da ONU para identificar a origem, atingiu
uma posição de uma SU destacada do contingente espanhol, ocasionando a
morte de um cabo daquele pais.
A ação ocorreu a cerca de
8 km da base onde os militares brasileiros se encontram. Apos mais de
duas horas de troca de salvas, o episodio repentinamente teve fim. No
presente momento existem fatos que contribuem para a ampliar a
instabilidade local, tais como as repercussões da Guerra Civil Síria, a
atuação de grupos extremistas nas proximidades da AOR UNIFIL (como o
grupo Estado Islâmico da Síria e Iraque – ISIS) e o choque entre
interesses libaneses e israelenses.
Por fim, vale destacar
que a experiência obtida pelo EB naquela área de operações é
significativa. A oportunidade de trabalhar em conjunto com diversas
nações com comprovada experiência militar permite agregar e compartilhar
conhecimentos. Países como Franca, Itália, Espanha, Índia, Turquia,
China e Alemanha estão presentes na missão e possível intercambiar
conhecimentos e técnicas na rotina diária de trabalho combinado.
Também deve ser lembrada a
possibilidade de “mostrar a bandeira” do militar brasileiro em terras
distantes, permitindo que outros povos possam melhor nos conhecer e
apreciar as qualidades do nosso povo e dos nossos militares. As lições
aprendidas de uma missão de paz com características tradicionais também
são importantes para ampliar o espectro da experiência militar
brasileira recente nisso tipo de operação de paz.
Em um cenário militar que
envolve forcas armadas regulares e possuidores de tecnologias avançadas
(como no caso das IDF, com Veículos Aéreos Não Tripulados, radares de
Vigilância terrestre, veículos de combate modernos, radares de busca de
alvos para a artilharia e vasto ambiente de guerra eletrônica.
Isso tudo somado a grupos
irregulares que empregam táticas e técnicas diversificadas e não
convencionais, faz com que a experiência na UNIFIL possa servir também
para analises mais profundas por parte do Exercito Brasileiro sobre tal
emprego de forcas. Por fim, e não menos importante, esta é a
contribuição da nação brasileira em ajudar a promover a paz e a
estabilidade mundiais.
FONTE : EBlog/www.revistaoperacional.com.br/http://saladeestado.blogspot.com.br/
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