Os oficiais de Hitler estiveram aqui, gostaram do que viram e
fizeram um plano audacioso e assustador: enviar uma missão secreta à
Amazônia para atacar os países vizinhos e começar a ocupação da a
América do Sul.
Imagem: site Brasileiros |
Pieter Zalis
Os gringos querem tomar a Amazônia. Você já deve ter ouvido essa teoria
conspiratória, que volta e meia aparece em conversas de bar. O que você
provavelmente não sabe é que esse risco já existiu de verdade. Uma
superpotência já esteve aqui mapeando o terreno. E não foram os EUA -
foi a Alemanha nazista. "A tomada das Guianas é uma questão de primeira
importância por razões político-estratégicas e coloniais." Essa frase
faz parte de um relatório de 1940 preparado pelo biólogo e geógrafo Otto
Schulz-Kamphenkel para a SS - a força de elite do Terceiro Reich. O
objetivo da chamada Operação Guiana era colonizar as guianas Francesa,
Inglesa e Holandesa. A invasão seria feita pelo norte do Brasil, pois os
nazistas já haviam passado por aqui - e gostado do que viram. De 1935 a
1937, Schulz-Kamphenkel liderara uma expedição que começou em Belém do
Pará e percorreu as margens do rio Jari, no atual estado do Amapá, até
chegar à fronteira da Guiana Francesa.
Os metais preciosos da região e a forte influência dos ingleses na
América do Sul foram os principais incentivadores da Operação Guiana. Em
carta endereçada a Hitler, no dia 3 de abril de 1940, o oficial da SS
Heinrich Peskoller diz que as reservas de ouro e diamantes locais seriam
suficientes para sanar a situação financeira da Alemanha em poucos
anos. "Na Guiana Britânica, a extração de ouro e diamante é mantida em
baixa para não atrapalhar o mercado sul-africano (dominado também por
ingleses). Nas mãos do Führer, cada metro quadrado de solo poderia ser
em pouco tempo explorado pela grande Alemanha", escreveu o oficial.
Peskoller não queria apenas criar uma colônia para alimentar a economia
do Terceiro Reich. A região teria importância na construção do Espaço
Vital da raça ariana - pois os nazistas acreditavam que seria possível
transformar a região em um lugar bom de viver. "O empenho e a técnica
alemã poderiam domar as inúmeras cachoeiras na forma de usinas
hidrelétricas colossais. Podendo fazer uma rede elétrica em todo o país
com bondes, navegação fluvial, produção de madeiras nobres, pontes,
aeroportos, escolas e hospitais. A comparação entre o antes e o depois
da tomada dos alemães contaria pontos para o Führer", argumentava
Peskoller.
A conquista das Guianas também traria outro grande benefício para os
alemães: atrapalhar a Inglaterra. Os ingleses compravam muitas
matérias-primas das Américas, e boa parte dos cereais consumidos no
território inglês vinha da Argentina. Depois de montar a base na América
do Sul e tomar as Guianas, o próximo passo dos nazistas seria mandar
submarinos para a região - para que os navios que se dirigiam à
Inglaterra fossem abatidos.
Em 1940, o projeto foi encaminhado a Heinrich Himmler, líder da SS e um
dos principais nomes do governo nazista. "O plano parece romântico, mas é
factível", defendeu Schulz-Kamphenkel. A operação, de acordo com o
pesquisador, deveria ser feita em sigilo. Os alemães atacariam em duas
frentes. Uma tropa de 150 soldados navegaria o rio Jari, no Amapá, para
chegar a Caiena, capital da Guiana Francesa. Ao mesmo tempo, pequenas
embarcações e 2 submarinos atacariam pela costa da Guiana.
A América do Sul e a Sibéria deslumbravam Schulz-Kamphenkel pelas
riquezas naturais. Esses territórios eram considerados áreas ideais para
a expansão do Terceiro Reich. Mas a invasão militar na Sibéria estava
temporariamente descartada. Os Russos dominavam a região. E, até 22 de
junho de 1941, estava em vigor um pacto de não-agressão
germano-soviético. Sobrava a América do Sul.
Na avaliação dos nazistas, os países vizinhos não impediriam a invasão. O
Brasil dera apoio irrestrito à primeira viagem de Schulz-Kamphenkel
pela Amazônia, em 1935 (quando o pretexto dele era estudar a flora e a
fauna locais), e não sabia dos planos de ataque. Uma possível represália
dos EUA também era considerada improvável. Em 1940, eles ainda não
estavam em guerra contra a Alemanha. Pela lógica da SS, a troca de poder
nas colônias seria uma mera substituição de nações europeias na região -
e não afetaria a influência dos americanos por aqui.
O plano também incluía previsões assustadoras para o período do
pós-guerra. Após a conquista da Europa, o novo alvo seria o Japão. "Se
conseguirmos assegurar (o território das Guianas), teremos uma posição
estratégica para enfrentar o Japão", diz o relatório. Era uma questão de
defesa. "Há o risco terrível de domínio amarelo no mundo. A raça branca
está ameaçada pela raça amarela."
Antes de a guerra estourar, o jovem Otto Schulz-Kamphenkel já desfrutava
de prestígio entre os homens fortes de Hitler. Sua primeira grande
expedição foi na África, na atual região da Libéria, onde ele caçou
animais - que vendeu para o zoológico de Berlim. Seu grande desejo era
conhecer a floresta amazônica. A expedição ao Jari, em 1935, colocou o
pesquisador no patamar dos mais prestigiados cientistas alemães da
época. O Museu de História Natural de Berlim ainda expõe animais
empalhados trazidos por Schulz-Kamphenkel, que também gravou um filme de
90 minutos, tirou 250 fotos e escreveu o livro O Enigma do Inferno
Verde, que vendeu 100 mil exemplares na época. "A descrição da paisagem é
muito precisa. Ainda hoje é possível se guiar na região com as
referências dadas no livro", diz Cristoph Jaster, chefe do Parque
Nacional Tumucumaque, no estado do Amapá.
No livro, saudações a Hitler se misturam com comentários sobre a
superioridade da raça ariana. Imagens mostram um hidroavião e alguns
barcos carregando bandeiras com suásticas. Os nazistas deixaram uma
lembrança que pode ser vista até hoje na margem do rio Jari, a poucos
metros da cachoeira de Santo Antônio. É uma cruz de 3 m de altura,
decorada com uma suástica, em homenagem a um oficial que morreu durante a
expedição.
Negros e índios eram considerados raças inferiores. Mas
Schulz-Kamphenkel exaltava a boa relação construída com as tribos locais
aparai, mayna e wajäpi. Os nativos, que despertavam a curiosidade dos
alemães (e atraíram muitos espectadores para o filme que mostra a
expedição) serviram como guias na desconhecida região da floresta
amazônica. Quando surgiu a ideia do Projeto Guiana, Schulz-Kamphenkel
dizia que sua boa relação com os locais seria um facilitador para a
conquista germânica. "Ele não queria apenas participar da invasão. O bom
contato com os índios fez Schulz-Kamphenkel sonhar com o governo da
futura Guiana Alemã", afirma o alemão Jens Glüsing, autor do livro Das
Guiana-Prokejt. Ein deutsches Abenteuer am Amazonas (Projeto Guiana -
Uma Aventura Alemã no Amazonas), ainda sem tradução em português.
Militares disfarçados
O Ministério da Aeronáutica nazista forneceu um hidroavião para ajudar
nos estudos na selva. Nas entrelinhas, havia um objetivo militar: testar
técnicas de mapeamento aéreo. Esse aprendizado foi usado para fins
militares durante a Segunda Guerra. Os ministérios das Relações
Exteriores e da Guerra de Brasil e Alemanha cuidaram da burocracia e
negociaram a isenção de impostos para armas, munição e mais de 30
toneladas de material para a expedição. O Museu Nacional no Rio de
Janeiro, presidido por Paulo de Campos Porto, foi o principal
incentivador do projeto pelo lado brasileiro. Esse apoio existiu porque a
região era igualmente desconhecida pelo nosso governo, e o museu estava
interessado nos resultados científicos obtidos pela expedição. Além
disso, as células do Partido Nazista no Brasil tinham forte influência
sobre setores do governo de Getúlio Vargas e fizeram lobby a favor da
expedição.
Sim, havia uma presença nazista no Brasil. O presidente brasileiro não
escondia seu respeito ao nacional-socialismo de Hitler. Os cientistas
alemães eram referência no Brasil, e as políticas antissemitas tinham
grande respaldo, principalmente, no Ministério das Relações Exteriores. O
integralismo, movimento brasileiro identificado com o fascismo e um dos
principais partidos da base aliada do governo antes do golpe do Estado
Novo, dividia a sede no Rio de Janeiro com os representantes cariocas do
nacional-socialismo. "O nazismo tinha uma legenda organizada no Brasil.
Membros do partido andavam com carteiras de identificação, jornais
nazistas circulavam sem restrições e materiais racistas eram veiculados
em escolas. Vargas tinha uma clara identificação ideológica,
principalmente, com as noções de uma nação forte e uma raça pura", diz
Maria Luiza Tucci Carneiro, coordenadora do Laboratório de Estudos sobre
Etnicidade, Racismo e Discriminação do Departamento de História da USP.
Nazismo verde e amarelo
Não eram só os partidos fascistas que se deslumbravam com a aventura de
Schulz-Kamphenkel. A opinião pública também apoiou a expedição nazista. O
jornal carioca Gazeta de Noticias publicou no dia 9 de agosto de 1935
uma matéria com o título: "Nas vésperas da sua sensacional expedição ao
Jari". A entrevista com o geógrafo alemão exaltava "uma viagem que
mereceu os mais francos aplausos". O cientista era caracterizado como
"uma expressão brilhante da moderna geração que ora está surgindo cheia
de vida e coragem, disposta a derrubar os obstáculos que entravam a
marcha da civilização".
Em outra entrevista para o Jornal do Norte, publicada no dia 24 de
agosto de 1935, o piloto alemão Gerd Kahle agradeceu: "Não se esqueça de
dizer pelo jornal que estamos muito sensibilizados pelas atenções das
autoridades paraenses. Aos senhores Andrade de Ramos & Cia.,
proprietários de imensa extensão de terras no Jari, também estamos
cativos pelas facilidades que nos têm assegurado a boa consecução do
nosso empreendimento."
Mas a segunda expedição, em que os alemães viriam secretamente para
invadir as guianas, acabou não saindo do papel. Ela não se concretizou
por uma decisão pessoal de Himmler, o líder da SS, que esfriou os
planos. Na estratégia dele, a guerra havia ganhado outras dimensões - e
seria mais inteligente centrar fogo na Europa. Em 10 de maio de 1940, a
Alemanha lançou uma grande ofensiva contra a Europa Ocidental. Em dias, a
Holanda foi conquistada e, em pouco mais de um mês, Hitler realizou seu
desfile histórico pela avenida Champs-Élysées, em Paris. "As invasões
da Holanda e da França representaram a anexação automática de suas
colônias ao governo nazista. Não havia mais a necessidade de invadir as
Guianas", explica Jens Glüsing.
Com o decorrer da guerra, os habitantes da Guiana Francesa começaram a
se revoltar contra as forças de Vichy (governo pró-nazista implantado na
França durante a Segunda Guerra). A capital, Caiena, ganhou o clima de
terra sem lei e virou palco da ação de espiões e fugitivos. Em 1943, com
a ajuda dos EUA, o governo pró-nazista foi expulso da Guiana Francesa.
Mas a população local era contra uma ocupação americana. E os franceses
não tinham mais autoridade. O país estava sem comando - e o governo
brasileiro começa a cogitar a anexação da Guiana Francesa ao Brasil.
Livros de propaganda política, como Brasil, o País do Futuro, do
austríaco Stefan Zweig, chegaram a ser distribuídos em Caiena. Mas
Getúlio Vargas acabou desistindo do plano, pois temia criar atrito com
os EUA.
Após voltar da Amazônia, Schulz-Kamphenkel se filiou à SS e chegou ao
posto de tenente. Com outros cientistas, formou uma tropa de elite de
pesquisadores a favor do nazismo. Depois, se envolveu na operação
secreta Comando Especial Doca, que levou mais de 50 pesquisadores
nazistas para estudar o Deserto do Saara e imaginar possíveis rotas que
os ingleses e os franceses poderiam tomar até a Itália. Schulz também
perambulou por Grécia, Iugoslávia, Finlândia, Polônia e Ucrânia.
Em 1945, ele foi preso na Áustria pelos americanos e enviado para um
campo de prisioneiros de guerra. O FBI o interrogou em maio de 1946. No
dossiê sobre o geógrafo, um oficial recomendou ao governo americano que
adotasse as técnicas de mapeamento aéreo desenvolvidas por
Schulz-Kamphenkel, mas isso não chegou a ser concretizado. No mesmo ano,
ele foi solto e voltou para sua cidade natal, Hamburgo, onde abriu o
Institut für Welkunde in Bildung und Forschung (Instituto de Formação e
Pesquisa de Ciência do Mundo). Em funcionamento até hoje, a instituição
fundada pelo ex-tenente da SS fornece filmes didáticos e material de
ensino de geografia para escolas alemãs.
Depois de ser alvo de Hitler, a região do rio Jari e a fronteira com a
Guiana Francesa se transformou em palco de extração de ouro, com a ação
predatória de garimpeiros e exploração mineral desenfreada na década de
1980. Hoje, faz parte de uma área de proteção ambiental - mas, como toda
a Amazônia, sofre com os efeitos do desmatamento, que cresceu 60% no
segundo semestre de 2011. Hoje a grande ameaça à região é outra: a
destruição ecológica.
POR ONDE ELES PASSARAM
As andanças nazistas pela região
Itinerário
A expedição percorreu 1 000 km. Ela partiu de Belém, em 1935, e
atravessou Breves e Arumanduba até chegar ao rio Jari e terminar perto
da fronteira da Guiana, em maio de 1937.
1. Set/1935
A expedição começa, com parte da equipe num hidroavião e a outra de barco.
2. Nov/1935
Os alemães fazem seu primeiro contato com indígenas.
3. Jan/1936
Há um surto de malária e um membro da equipe morre. A expedição é obrigada a voltar a Arumanduba para pegar suprimentos.
4. Abril/1936
Uma cruz de 3 m, decorada com uma suástica, é colocada na cachoeira de Santo Antônio em homenagem a Greiner.
Para saber mais
Das Guyana-Projekt. Ein Deutsches Abenteuer am Amazonas
Jens Glüsing, Cristoph Links Verlag, 2008.
Fonte: montedo.com
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