“Golfo da Guiné” é o
nome dado pelos cartógrafos ao trecho do Atlântico Sul, na costa
africana, delimitado nos seus extremos por Libéria e Gabão. Esta região
forma uma grande reentrância característica do lado oeste daquele
continente. As costas da Libéria, Costa do Marfim, Gana, Togo, Benim,
Nigéria, Camarões, Guiné Equatorial, Gabão e a nação-arquipélago de São
Tomé e Príncipe são banhadas pelo Golfo da Guiné. Neste início do século
XXI esta região assumiu um destaque por duas razões distintas, mas
certamente interconectadas, a produção de petróleo e a pirataria.
Tamanha riqueza tem que atrair o interesse de players geopolíticos
externos como EUA, China, Brasil, França e Reino Unido.
O AFRICOM
Para combater o
problema da Pirataria, do extremismo islâmico e principalmente para
garantir a paz e a tranquilidade das operações petrolíferas na região, o
Presidente americano George W. Bush em 2007 declarou a instalação do
African Command, ou simplesmente AFRICOM, que iniciou formalmente suas
atividades em 2008.
Ao AFRICOM cabe a
vigilância e cooperação com as forças armadas da África com vários
vieses, inteligência, apoio logístico a unidades e navios militares
americanos na região e principalmente a realização de exercícios em
conjunto com os países da África, insulares e continentais.
O African Command já
dispõe de cerca de 2.000 funcionários próprios, incluindo militares ,
funcionários civis baseados nos Estados Unidos, e outros funcionários
contratados . Cerca de 1.500 destes postos de trabalho ficam na sede do
comando, em Stuttgart, Alemanha. Outros são estão nas unidades do
AFRICOM na Base Aérea de MacDill , Florida, e RAF Molesworth na
Inglaterra.
Os programas do
AFRICOM são coordenados pelos Escritórios de Cooperação de Segurança e
Defesa em cerca de 38 nações. O comando também tem oficiais de ligação
nos postos – chave das forças armadas africanas , incluindo também a
sede da União Africana , da Comunidade Econômica dos Estados da África
Ocidental (CEDEAO) e Centro Internacional de Formação em Manutenção da
Paz Kofi Annan, em Gana.
Segundo as informações
do Site do AFRICOM os seus custos de funcionamento estão na casa dos
US$ 274 milhões no Ano Fiscal de 2010. Foram ainda 286 milhões dólares
americanos no ano fiscal de 2011 e US $ 276 milhões de Ano Fiscal de
2012. Um investimento pequeno se comparado com a os valores de US$ 160
milhões exigidos pelos piratas para resgate de aproximadamente 50 navios
capturados na costa da Somália.
O Obangame Express
O AFRICOM realiza
anualmente quatro exercícios navais sequenciais "Express" voltados para o
desenvolvimento das capacidades das marinhas africanas. Na costa do
Mediterrâneo existe o Phoenix Express, na costa noroeste do continente
fica o Sahara Express, na costa leste ocorre o Cutlass Express e no
Golfo da Guiné é realizado o Obangame Express. O primeiro Obangame
aconteceu no ano de 2009 com a coordenação do AFRICOM para instruir as
forças navais dos países a África Central no combate à pirataria ao
contrabando e ao tráfego de drogas. Então, antes que a situação tomasse a
mídia ocidental como a Somália faz até hoje, a estratégia do governo
americano foi colocar a Marinha e a Guarda Costeira americanas para
apoiar imediatamente a capacitação das marinhas locais.
“Obangame” é um termo
recorrente em muitos dos 250 dialetos da região cujo o significado mais
comum é “todos juntos”. Este é o objetivo primário do exercício que em
2014 contou com 23 diferentes países participantes. Cada um participa
com os meios de que dispõe, seja enviando um navio ou apenas forças
militares para auxiliar na execução e no preparo do evento. Neste ano os
participantes foram: Angola; Bélgica (Navio de Apoio Logístico
Godetia); Benin, Brasil (NaPaOc Apa, do qual falaremos mais abaixo),
Camarões, Costa do Marfim, Guiné Equatorial, França, Gabão (lancha La
Benue), Alemanha (fragatas Hamburg e Koln e o N/T Berlin), Gana,
Holanda, Nigéria ( navios Thunder, Kyanwa, Zaria, Andoni, Ikot-Abasi,
Benin, Ibusa, Dorina, Egede e Torie), Portugal (Fragata Bartolomeu
Dias), República do Congo, São Tomé e Príncipe, Espanha(navio patrulha
oceânica Infanta Elena), Togo, Turquia (fragatas Gediz, Orucreis, a
corveta stealth Heybeliada e o N/T Yarbay Kudret Gungor) e Estados
Unidos (USNS Spearhead).
O exercício foi conduzido em duas diferentes zonas do Golfo da Guiné. A maior delas a cerca de 30 milhas do porto de Lagos na Nigéria e a outra a cerca de
20 milhas náuticas do porto de Douala em Cameroun. Esses dois portos
junto com o porto de Idenau também em Cameroun serviram de apoio para
quase todos os navios envolvidos no exercício.
O Porto de Lagos, além
de ter recebido a maior concentração de embarcações, só da marinha da
Nigéria eram 10, também era a base principal do exercício e onde estava o
Centro de Avaliação da Capacidade Marítima de Lagos, organização que
fica na Base Naval do Leste da Marinha Nigeriana.
O Porto de Douala
recebeu os Navios do Brasil, Portugal e Bélgica. Esta cidade, que é a
maior do país, também abriga o Centro Multinacional de Coordenação dos
Países da África Central, (ou CMC) que serviu de base para o Centro de
Operações Marítimas do Exercício, ou “MOC”. O objetivo do MOC é prover o
adestramento necessário para controle de áreas marítimas, e para isso
foi usado um sistema de comunicação UHF/VHF falado em inglês, que tinha
como objetivo integrar e facilitar o processo de tomada de decisão
frente às situações que podem ocorrer no mar. O MOC tinha o poder de
alertar as embarcações navais sobre atividades suspeitas, avaliar e
responder aos dados enviados pelos navios que observaram as atividades
suspeitas.
Idenau, além de
receber outros navios internacionais é o lar do Batalhão de Intervenção
Rápida da Marinha de Cameroun. Não deixa de ser curioso que a despeito
da pirataria estar localizada no norte junto à fronteira com a Nigéria, o
porto de Idenau fique mais ao sul e mais distante da região onde
ocorrem os principais ataques.
O Objetivo do
Exercício Obangame Express é muito simples, capacitar e dotar as forcas
africanas naquela região de meios e técnicas para combater
eficientemente o problema da pirataria na região do golfo da Guiné. Esse
objetivo embora simples em sua concepção ainda é muito complexo em sua
execução. Ao olhar para os estados da orla do Golfo da Guiné estamos
vendo países cujas limitações na área da defesa são gigantes,
apresentando deficiências sérias que se estendem desde a formação básica
e treinamento de pessoal até o domínio dos conhecimentos mais avançados
em estratégias e utilização dos meios disponíveis entre os oficiais.
Por esse motivo a
concepção e o cenário do exercício com um todo são muito objetivos, e
não desenvolvem nada além de simples atividades de abordagem. No cenário
proposto no Obangame Express 2014, apenas para simplificar, todos os
países atuaram como se fossem participantes do Código de Conduta do
Golfo da Guiné (CoC), acordo real cujo artigo 17 afirma que no ano de
2013 as nações signatárias realizariam os esforços necessários para
transformar o código em um tratado multilateral.
Por conta disso,
dentro do cenário, foi “assinado” em julho de 2013 um Tratado
Multilateral de Estabelecimento da Zona Marítima, de forma a erradicar
todas as atividades ilegais na costa oeste da África. O documento possui
uma série de pontos comuns com o CoC e também estabelece que algumas
áreas do golfo da Guiné serão destinados para os exercícios militares. O
exercício tem o objetivo adicional de ajudar a concretizar e
implementar tratados multilaterais como este, pela sua aplicação direta
em atividades diárias e muito realistas.
O exercício Obangame
Express em si consistiu na prática repetitiva de abordagem de navios
suspeitos.Embora seja algo muito básico ele é exatamente a prática
necessária para marinhas cuja principal ameaça é a pirataria. Ainda que a
abordagem de embarcações com grupamento de GVI (Grupo de Visita e
Inspeção) seja algo rotineiro na Marinha do Brasil e de outras marinhas
ocidentais, isso exige uma técnica e um adestramento muito apurado. Para
abordar uma embarcação que tenha talvez 10 ou 15 tripulantes um GVI
precisa ser composto de 6 a 8 pessoas em média. O processo exige um grau
de controle significativo, não só de armas e seu manuseio, de técnicas
de abordagem, mas também de psicologia e calma, principalmente quando a
comunicação é difícil.
O Apa deixou o Porto
de Douala às 8:30 horas da manhã de sábado, dia 19 de abril. O tempo
estava claro e a maré alta no Rio Wouri ajudou na desatracação rápida e
segura do patrulheiro oceânico brasileiro. A Fragata Bartolomeu Dias
havia zarpado 20 minutos antes e liderava nosso comboio que era fechado
pelo Navio Belga Godetia. Os belgas suspenderam 28 minutos depois do
NaPaOc Apa.
Os navios seguiram em
velocidade aproximada de 8 nós até a saída do rio quando, finalmente, o
grupo acelerou para confortáveis 11 nós. O local do primeiro exercício
foi alcançado quase uma hora e meia antes do previsto, o que permitiu a
realização de algumas manobras para aproveitar o tempo extra. Nesta
ocasião aproveitou-se para realizar mais uma instrução os Angolanos que
estavam a bordo do Apa sobre a interrogação por rádio em inglês, a
língua de comunicação do exercício.
O treinamento foi
realizado em meio a um passadiço movimentado com as manobras táticas
entre os navio com as demais frequências de comunicação do exercício
sendo usados para outras atividades. Daí pode-se notar o quão difícil se
torna a questão do adestramento e da comunicação. Embora os militares
angolanos fossem perfeitamente capazes de entender o português
brasileiro no rádio e vice versa, o seu problema maior residia na
incapacidade de se comunicar na língua inglesa. Deixando todos os juízos
de valor de fora, isso enfatiza como que problemas simples evidenciam o
despreparo de formação das forças africanas, mesmo antes de se iniciar
qualquer uma das atividades práticas de abordagem.
No horário programado,
o MOC deu a autorização para os navios iniciarem o exercício. Como
acertado anteriormente na reunião de “Pre-sail”, uma aeronave patrulha
P-3 Orion da Força Aérea Portuguesa deveria informar ao MOC a existência
de uma embarcação suspeita, identificar o número estimado de pessoas a
bordo e solicitar ao MOC o envio de uma embarcação para averiguar.
Os militares angolanos
a bordo do Apa realizaram as primeiras comunicações de radio ainda sem
saber exatamente o que teriam que fazer. Continuamente acompanhados pelo
Capitão de Corveta Silva Neto do Centro de Adestramento Almirante
Marques Leão (CAAML), eles conseguiram cumprir os obstáculos da língua
inglesa permitindo a abordagem correta da embarcação.
Após realizar os
questionamentos padrão: número de tripulantes, registro da embarcação,
presença ou não de armamentos, destino e propósito da viagem, foram
iniciados os procedimentos para realizar fisicamente a abordagem ao
navio suspeito. As últimas instruções foram passadas diretamente pelo
CAAML enquanto a lancha Zodiac do Apa era retirada do seu berço e
guindada para uma posição na lateral do navio e na mesma altura do
convés.
A Zodiac, operada por
Praças da Marinha do Brasil, seguiu os procedimentos de abordagem de
forma simples e direta, realizando a passagem em ambos os bordos do
navio para checar qualquer irregularidade. Por segurança ela nunca
passava pela proa do navio que estava sendo abordado.
O embarque dos
inspetores angolanos foi feito pela escada do prático posicionada a
bombordo da fragata Bartolomeu Dias. Uma vez a bordo, os procedimentos
de checagem dos documentos foram feitos corretamente e os angolanos
passaram a realizar sua busca no exterior e interior do navio português.
O seu objetivo era de encontrar alguma irregularidade ou discrepância.
Andando pelo navio foi seguida a regra dos dois homens, um sempre a
vante e outro cobrindo sua retaguarda. Após as devidas interrogações,
tanto o navio como a sua tripulação foram liberados. Momento em que os
avaliadores portugueses passaram a realizar um pequeno debriefing
identificando os pontos positivos e negativos da abordagem angolana
antes deles serem reconduzidos ao Apa.
No final da tarde, o
cenário foi invertido. A embarcação a ser abordagem seria o Apa, e os
militares de São Tomé e Príncipe embarcados na Bartolomeu Dias
realizariam a abordagem.
As deficiências da
abordagem dos militares de São Tomé começaram pela falta de sistemas de
comunicação eficazes, principalmente entre eles mesmos. Por diversas
vezes o capitão do “navio suspeito” deu informações desencontradas
daquelas inicialmente transmitidas pelo radio. Quando questionado pelos
inspetores ele também deu informações diferenciadas. O capitão
ostensivamente portava uma faca no cinto que em nenhum momento lhe foi
tirada. O cenário construído pelo Apa para a abordagem era de busca por
“armamentos” que estavam escondidos no paiol de cabos do navio.
No entanto a inspeção
da equipe de São Tomé e Príncipe não foi capaz de localizar os artefatos
incriminadores a bordo do Apa. No final o Comandante Silva Neto
realizou um debriefing destacando que os pontos em que eles precisariam
melhorar eram a observação dos dados que foram apresentados a eles e a
melhoria na forma de comunicação interna.
No dia seguinte, o mau
tempo previsto pelos meteorologistas impediu a realização de atividades
de abordagem do time do Gabão que estava a bordo do Godetia. Logo no
final da manha os três navios entraram em uma área de baixa visibilidade
o que os forçou a reduzir um pouco a velocidade, ligar as luzes de
navegação e suspender todas as atividades até que tempo apresentasse
algum tipo de melhora. A aeronave P-3 portuguesa que apoiava o exercício
também não tinha a visibilidade para poder realizar sua tarefa e quando
finalmente o tempo mudou o exercício já tinha sido encerrado.
Na tarde daquele dia o
vento já melhorado significativamente, mas, ainda assim, a lancha La
Benuoe de Cameroun pulava como um brinquedo de uma criança na água de
tão agitado que estava o mar. Por alguns momentos, as condições do mar
chegaram ao grau 4 da Escala de Beaufort. Apesr disso a chuva forte que
pela manha lavou o convés do Apa agora mais se assemelhava à tradicional
garoa paulista.
Após um intervalo 40
minutos a melhora das condições do mar finalmente permitiu à embarcação
realizar a sua abordagem no Apa. Diferente dos angolanos e dos
sãotomeenses, os marinheiros camaroneses não tinham quem os orientasse
na realização do procedimento de abordagem realizado com o auxilio de um
Navio Patrulha, cujas características se assemelham muito com as dos
NPa da Classe Grajaú da Marinha do Brasil.
Ironicamente a
abordagem conduzida pelos militares de Cameroun foi de longe uma das
melhores dentro do exercício. As falhas encontradas e observadas foram
em geral muito pequenas, e ainda que não tenham conseguido encontrar os
“imigrantes ilegais” (papel representado no Apa pelos militares
angolanos) que estavam escondidos no paiol de cabos, eles tiveram uma
postura e conduta muito boa ao longo de todo o exercício. Os Camaroneses
permaneceram em comunicação constante, perceberam as contradições do
“comandante”, seu o único pequeno problema sendo a dependência exclusiva
na língua francesa.
Como as condições
visuais para o P-3 ainda não estavam boas, a etapa de visualização da
embarcação pela aeronave foi pulada e o MOC autorizou a abordagem direta
do navio suspeito dando inicio ao exercício. Mais uma vez, os militares
angolanos tiveram que interrogar a embarcação suspeita e dessa segunda
vez, a tranquilidade e o conhecimento dos passos a serem tomados foram
contrastantes a experiência do dia anterior. A segurança passada pelo
Sargento Kilola no rádio foi fundamental.
O tenente Oliveira,
brasileiro nato filho de pai belga que já servia ha dois anos na Real
Marinha Belga, ajudou na tradução e também auxiliou a tornar fluida a
comunicação entre o Apa e o Godetia.
A dificuldade dos
“inspetores” em separar os tripulantes que estavam envolvidos no
exercício daqueles que estavam sem uniforme por estarem de folga forçou a
interrupção do exercício e seu subseqüente reinício. Todo este processo
tomou muito tempo e com o tempo fechado e chuvoso a falta de luz
natural acabou atrapalhando um pouco o exercício.
No terceiro dia do
Obangame Express, o sol voltou a brilhar e o Apa e o Godetia receberam
autorização para re-encenar o exercício que havia sido cancelado no dia
anterior pelo mal tempo. Nesse exercício o Apa foi abordado pelos
militares do Gabão que estavam a bordo do Godetia. Mais uma vez, o
tenente “brasileiro” da Real Marinha Belga acompanhou a vinda dos
“inspetores” auxiliando na tradução.
Terminado o exercício
com o Godetia o MOC autorizou a execução do último exercício, uma
perseguição pelo Apa do Godetia que simulava um cargueiro tentando
evadir-se das águas territoriais de Angola. Imediatamente após a oprdem
dada o Apa seguiu com “maquinas a diante 6”, alcançando 19 nós de
velocidade com picos de 20.
O Godetia ignorou as
ordens de parar maquinas passadas via rádio o que fez o Apa disparar um
tiro simulado diante da proa do navio belga. Os militares de Angola
seguiram então na lancha até o navio e lá encontraram um “ferido” e
prenderam os cinco “piratas” que estavam a bordo. A condução desse
exercício foi muito elogiada pelo Comandante Silva Neto do CAAML.
Ao inicio da tarde os
navios seguiram com rumo ao porto de Douala, o Apa atracou entre um
mercante e o Godetia sem precisar do auxilio de rebocadores deixando um
espaço de menos de oito metros a ré e seis a vante, uma manobra muito
difícil.
O Apa no Obangame: ensinando os marinheiros africanos e aprendendo sobre a África
Dos navios presentes
em Doula o Apa certamente foi o que mais chamou a atenção neste
exercício. Sendo uma embarcação completamente nova, com um projeto
moderno e muito funcional, ela foi visitado por oficiais e praças dos
dois navios europeus com quem ele se exercitou, sempre recebendo muitos
elogios.
O Apa é um navio
simples cuja flexibilidade lhe permite realizar diversos tipos de
missões diferentes. O Apa conseguia colocar sua lancha na água em um
tempo bem menor do que a fragata Bartolomeu Dias da Marinha de Portugal.
Por ser bem espaçoso no seu interior o Apa acomodou os militares
angolanos confortavelmente sem que eles precisassem circular perto das
áreas sensíveis do navio.
Antes mesmo do início
da Obangame, ainda a caminho do Porto de Douala, o Apa aproveitou a
oportunidade para operar em conjunto com o navio português quando,
demostrando o real valor da interoperabilidade, recebeu pra pouso em seu
convoo a aeronave Agusta Westland Super Lynx, além de protagonizar uma
descida com “fast rope” dos militares portugueses. O valor estratégico
desta capacidade de operação cooperativa da MB com uma marinha da OTAN é
evidente.
Como a corveta Barroso
quase quatro anos antes, o Apa passou por dificuldades no que tange o
fornecimento de água potável no porto de Douala. Diferente do que ocorre
no Brasil (e na América do Sul , do Norte e Europa) nos portos
africanos este é um tema bastante sensível, uma vez que as condições
muito insatisfatórias da água local dificultam seu uso para atividades
da área da higiene pessoal. No Cameroun o navio foi forçado a adquirir
água mineral engarrafada para poder cozinhar e para dar de beber aos
tripulantes.
Problemas como esse
estarão presentes por toda a costa África, e como esta será uma das
áreas freqüentes de atuação dos Navios Patrulha de 1800 toneladas da
Marinha do Brasil será bom começar a pensar em soluções que possam ser
empregadas para reduzir custos e aumentar autonomias.
Porque o Brasil se interessa pela África?
Um dos maiores focos
da defesa brasileira é o Atlântico Sul, especialmente a chamada Amazônia
Azul próxima à costa brasileira. Mas do outro extremo do Atlântico o
governo brasileiro vem incentivando, desde a década de 60, um crescente
engajamento com os países africanos da costa oeste da África que abrange
desde o óbvio plano comercial, até o político, agropecuário, de saúde
pública, de defesa e também o cultural. A presença do Brasil como um dos
fomentadores e pilar de sustentação da Zona de Paz e Cooperação do
Atlântico Sul (a ZOPACAS) apenas confirma a convergência política
brasileira com esta região. Por seu lado a Marinha participa dos
exercícios navais regulares “Atlasur” e “Ibsamar” contam com a
participação de meios navais da República da África do Sul além de
outros países. Para saber mais sobre o Brasil e a África não deixem de
ler o nosso outro artigo que foca especificamente a no interesse do
Brasil pela África desde antes mesmo de sua independência.
A ameaça da explosão da Pirataria
O termo “pirataria”
provoca duas imagens na cabeça da maioria das pessoas. A primeira é a do
pirata romanceado da literatura e do cinema (tipo o “Jack Sparrow”, da
trilogia Piratas do Caribe) que pouco tem a ver com as figuras
históricas que infestavam o Caribe no século XVIII. A segunda imagem é
bem mais atual e mais realista, a dos somalianos esquálidos e
desesperados do filme “Capitão Philips”.
Assim, para muita
gente no Brasil e fora, o Continente Africano ainda se resume apenas uma
palavra: “problemas”. Para os marinheiros mercantes em especial esse
problema é mais bem definido por outra palavra: “pirataria”. Um cenário
percebido de forma mais aguda em dois pontos daquele continente, no
“Chifre da África” na Costa Oriental e no Golfo da Guiné na Costa
Ocidental.
No lado leste do
continente, nos mares ao redor da Somália, constantes casos de pirataria
ganharam visibilidade pública freqüentando a primeira página de muitos
jornais. O seqüestro do mercante de bandeira e tripulação americana
Maersk Alabama foi marcante por sua duração e principalmente pela
repercussão que a impressa americana deu ao fato, acusando as forcas
internacionais de patrulha naquela região de demorar a agir e de não ter
o devido preparo para enfrentar a ameaça representada pelos piratas.
O Golfo de Aden, ao
sul da península Arábica, é um dos locais por onde passa um dos maiores
tráfegos marítimos do mundo, sendo um prolongamento da rota do Canal de
Suez. Ali a intervenção naval direta dos países ocidentais ao largo da
costa da Somália fez os piratas mudarem-se para regiões cada vez mais
longínquas, tanto no Mar da Arábia quanto no Oceano Índico.
A pirataria existente
nas costas da Somália difere da do Golfo da Guiné por seu alvo. Enquanto
nos mares ao redor da Somália são essencialmente uma rota de passagem
internacional para as mais diversas cargas marítimas, o foco do pirata
no Golfo da Guiné está nos seus próprios recursos minerais e
energéticos. Ao redor dos grandes portos da região como Lagos e Port
Harcourt, na Nigéria e Douala e Idenau, no Cameroun, existe um grande
fluxo de embarcações comerciais. Mas a grande preocupação ali reside
mesmo nas plataformas de extração de petróleo do offshore e na entrada
de embarcações que só existem para suprir a demanda de armas e drogas
dos grupos extremistas atuantes na região. Fator este que coopera
fortemente para prejudicar a já delicada estabilidade política interna
dos diversos países daquela região.
O fenômeno da
pirataria na região do Golfo da Guiné não é novidade, pelo contrário, é
um processo antigo, mas cujas proporções têm crescido ainda mais nos
últimos anos. Segundo os números da Organização Marítima Internacional,
IMO, em 2013 ocorreram 54 ataques a embarcações que navegavam pelo Golfo
da Guiné, mas o que mais chama a atenção da IMO é a escalada da
violência como um todo, principalmente pelo lado dos piratas que vêm
agindo com maior brutalidade.
Só no ano passado,
foram registradas 26 trocas de tiros entre piratas e forças de defesa na
região, em nenhuma outra região do globo esse índice foi tão alto. Para
mero efeito de comparação, segundo outro relatório da IMO de 2014, em
2013 foram registrados apenas 20 casos de pirataria no Golfo de Aden.
Este relatório também
aponta que os ataques no mar estão concentrados de forma significativa
na costa da Nigéria, especificadamente no delta do Niger. Vale ressaltar
que a região do Delta do Niger é uma área predominantemente mulçumana
sofrendo constante influência do grupo extremista Boko-Haram.
Informações obtidas no Cameroun apontam laços entre os extremistas e a
pirataria, porém isso ainda foi publicamente confirmado.
Em uma entrevista para
o canal de TV alemão Deutsche-Welle o especialista em segurança Ian
Millen, Director of Intelligence da empresa Dryad Maritime, comentou
que: "Há uma infra-estrutura criminosa muito bem desenvolvida na
Nigéria, especialmente na região do Delta do Níger. Os roubos de
petróleo bruto e também de combustíveis refinados ocorrem igualmente nas
áreas marítimas e em terra. É por isso que os navios petroleiros têm
sido sequestrados."
Ian Millen também
aponta que o foco das ações de pirataria no Golfo da Guiné são mais
ligadas às atividades de exploração do petróleo do que as do transporte
de carga internacional propriamente dito. "Isso acontece principalmente
porque, como todos sabemos, essa atividade é uma fonte gigante de
dinheiro e atrai muito a atenção de todos. Se você ataca um navio
carregado com frutas para exportação, a importância que a comunidade
internacional dá a isso é muito limitada. Agora se o problema reside no
funcionamento dos carros e na geração de energia, certamente a situação
como um todo será vista diferentemente."
A despeito de todos
seus problemas, o Golfo da Guiné tem incrementado nos últimos anos a sua
produção de petróleo. No entanto, apenas uma pequena parcela desta
riqueza realmente fica nos países produtores. Isso se dá por motivos que
variam desde a falta de mão de obra especializada capacitada para
exercer a atividade altamente complexa da exploração de petróleo no
offshore, até a simples falta de capacidade financeira dos estados
locais para realizar os pesados investimentos, seja devido à corrupção
ou pela simples falta de reservas para investimento.
Em alguns países fora
do Golfo da Guiné, como a Angola, o legado dessa riqueza mineral é mais
sensível, ou seja, é possível reconhecer como a indústria petrolífera
mudou a região e assim gera uma transformação importante. O Embaixador
do Brasil no Cameroun, Ney Bittencourt alertou: "... a riqueza do
petróleo é muito volátil, ou seja, embora ela tenha um momentum e um
poder de gerar riqueza muito grande, nos países da África essa riqueza é
passageira, porque o uso desse dinheiro é em sua grande maioria focado
na construção, ou, na tentativa de construção, de uma infraestrutura
básica no país. E isso não basta para atrair outros ciclos de
investimentos".
Isso era bem
perceptível nas ruas de Douala, maior cidade e coração econômico do
Cameroun. País que já teve que teve seu pico de exportador de petróleo
da década de 80 até o final da de 90, o Cameroun tem prédios públicos e
uma infraestrutura urbana apresentável, especialmente quando comparado
com os demais vizinhos. Mas esta infraestrutura está aos poucos
definhando, seja pela falta de capacidade do governo em realizar a
manutenção adequadamente, ou pela escassez de mão de obra especializada
local. A falta de indústrias que dariam sustentabilidade e uma
insuficiente gestão dos limitados recursos governamentais que o país
possui terminam por adiar o progresso.
Para entender um pouco
o problema da mão de obra no país, conversamos com um funcionário
chinês de uma das várias empresas chinesas que operam ali. Perguntado
sobre quantos nacionais trabalhavam nas plataformas a resposta foi
direta “nenhum! Todos nossos trabalhadores vêm da China ou de países
vizinhos a China”. Este fato podia ser confirmado empiricamente apenas
com uma andada pelo hall do Hotel. Ali os ocidentais usavam macacões de
cor laranja, enquanto os chineses usavam macacões azuis.
Os problemas sociais
dos países africanos são uma das causas primárias do aumento da
pirataria na região, e ao mesmo tempo um dos principais argumentos
usados pelos grupos extremistas para recrutar a mão de obra para a sua
causa "libertadora". Os embargos promovidos pelas Nações Unidas fazem os
grupos extremistas buscar outros meios para angariar fundos para sua
causa. O seqüestro da riqueza que passa ostensivamente na porta de suas
casas todos os dias é um meio destes. Assim a pirataria no Golfo da
Guiné ganhou força nos anos recentes.
Na costa ocidental da
África, especialmente no Golfo da Guiné, o trafego mercante não é tão
grande, mas desde o início da década de 70 essa região vem sofrendo boom
com a expansão da exploração de petróleo o que explica o aparecimento
dos primeiros ataques. No ano de 2013 a cadeia de televisão alemã
Deutsche-Welle realizou uma série de reportagens (ainda disponíveis em
seu site) expondo os perigos da navegação naquela área.
Essa mudança ocorre em
um momento crucial para toda a região. A Nigéria é o país mais
populoso, a maior economia e o maior Produto Interno Bruto da África,
apresentando um crescimento econômico considerável nos últimos anos.
Esta expansão se reflete igualmente na maioria dos seus vizinhos no
Golfo da Guiné que são produtores de petróleo. Junto com esta nova
afluência, vem a instabilidade como o aumento das atividades terroristas
do grupo extremista islâmico. O grupo nigeriano Boko-Haram atuando no
nordeste daquele país junto com o crescimento das milícias católicas
colocam a Nigéria, em uma posição desconfortável e muito visível no
plano internacional.
As perguntas chaves
para entender esta situação são: “porque a pirataria é preocupante”? E:
“como isso influencia toda a região do Golfo e os países do seu entorno
se os ataques dos grupos terroristas da Nigéria ainda não extrapolaram
as fronteiras daquele país”? Para responder a essas perguntas teremos
que voltar na História cerca de 50 anos para ver como todo esse processo
se desencadeou, como as relações entre os estados da região ficaram tão
frágeis e como isso pode ainda desencadear uma serie de novos problemas
no futuro.
Uma geografia do Golfo da Guiné
Três grandes rios
escoam a produção da África Central no Golfo da Guiné, o Volta, o Ogoué e
o Níger. Esta é uma região geologicamente ativa e economicamente
significativa. Nas águas territoriais de todos os estados do Golfo da
Guiné é possível encontrar petróleo, mas a despeito disso, esta
indústria não se encontra igualmente desenvolvida em todos eles.
Segundo a teoria da
deriva continental (Tectônica das Placas) a região do Nordeste
brasileiro no passado se encaixava quase que perfeitamente no côncavo do
Golfo da Guiné. Em 2013 a Petrobrás divulgou ter encontrado novas
jazidas de petróleo no nordeste brasileiro, o que aumenta a
probabilidade de que nem todas as jazidas do Golfo da Guiné tenham sido
ainda descobertas e exploradas, tanto no pós quanto no pré-sal.
Em termos étnicos os
povos da orla do Golfo da Guiné possuem uma rica tradição Bantu, sendo
lá que as principais tribos africanas foram formadas e depois se
espalharam por toda a região. As tribos que habitavam o Golfo da Guiné
eram altamente evoluídas, com o domínio da agricultura desde antes do
início da Era Cristã.
O primeiro contato
destes com estrangeiros ocorreu no período da expansão islâmica, no
século VI. Ainda que o contato não fosse direto e permanente, muitas
destas tribos acabaram adotando o Islã e o seguindo até os dias atuais.
O segundo ciclo de
contato foi feito com os portugueses por volta de 1440, quando estes
buscavam novas rotas marítimas para chegar as Índias. Foi nesse período
que o processo de colonização se iniciou, ainda sem objetivos de
exploração da mão de obra escrava, mas basicamente do estabelecimento de
bases de apoio para os navios da “Carreira das Índias”.
Com a paulatina
transferência da hegemonia européia de Portugal para Inglaterra no
século XVIII , e em meados do século seguinte a partilha da África que
deflagrou a onda imperialista das potências européias que definiu novas
fronteiras no interior do continente. Antes disso a presença dos
colonizadores se mantinha unicamente na região próxima do mar.
Nigéria
A história da Nigéria
se confunde com a de muitos outros países da África nos mais diferentes
pontos. Logo após o fim da colonização portuguesa, foi a vez dos
ingleses que em 1886 criaram a Companhia Real do Níger, cuja função era
controlar toda entrada e saída de mercadoria na região do Níger.
No final da Segunda
Guerra Mundial, a coroa britânica, devido ao forte sentimento
nacionalista no país, deu inicio a transição de colônia para um país
independente, que só foi concluído em 1960. Porém a forte instabilidade
do país devido a sua pluralidade étnica e cultural fomentou golpes
sucessivos e uma guerra civil entre 1967 e 70, quando a região costeira
de Biafra declarou-se uma república independente.
Mais de uma década se
passou e até que um golpe militar em 1983 inaugura um período de
relativa paz. Em 1996 ocorreram as primeiras eleições presidenciais no
país, marcadas também pela violência em vários locais de votação.
Além dos problemas
internos, a Nigéria também teve uma relação conturbada com seus
vizinhos. Disputas territoriais entre a Nigéria e Cameroun ocorreram
pela posse de uma península na região fronteiriça entre os dois Estados.
A questão da Península Bakassi na foi resolvida em 2002 pela Corte
Internacional de Justiça que determinou que a região fosse entregue ao
vizinho Cameroun, seguindo os anseios da população local que é de
maioria cristã.
Cameroun
Quando os primeiros
portugueses conheceram os rios do Cameroun eles se surpreenderam com a
abundância de camarões na água e por batizaram a região com o nome que o
país carrega ate hoje. A colonização do Cameroun ao contrário da
Nigéria demorou se iniciar por conta da malária. Esta doença tropical
fatal aflige o país até os dias de hoje, sendo uma das suas principais
causas de morte no país.
O inicio da
colonização européia na região se iniciou com a vinda dos Alemães no
século XIX, que tiverm que aprender com as tribos locais técnicas para
evitar a malária. Porém essa colonização durou pouco tempo. Com o fim da
Primeira Guerra Mundial e a consequente derrota dos países da Tríplice
Aliança em 1918, o Cameroun alemão foi ocupado por ingleses ao norte e
pelos franceses no centro e sul.
O Cameroun conquistou a
sua independência em 1960 através de luta armada. Ainda que o período
político posterior à independência não tenha sido tão conturbado quando o
da Nigéria, houve casos de atritos entre os povos do norte e os do
centro, especialmente por diferenças religiosas. No norte predominava
uma comunidade islâmica que optou pela adesão à Nigéria, porém os
cristãos do sul, inclusive aqueles localizados na península Bakassi
fundaram o país Cameroun independente o que originou uma disputa entre
estes dois estados.
A consolidação do
Estado Camerounense foi rápida e pacifica quando comparada com a dos
demais países da região. Os pequenos atritos foram solucionados quando
em 1986 Paul Byia, um general, assumiu a presidência do país, realizando
eleições anos depois com ele como o único candidato. Ele permanece na
presidência até os dias atuais.
Conclusão
O Obangame Express é
definitivamente um exercício que ainda tem muito que evoluir nos mais
diferentes aspectos. Para isso será preciso aumentar o grau de
comprometimento dos países envolvidos, principalmente no que diz
respeito à comunicação e à execução do exercício. Exemplo disso foi que a
importante contribuição tática do patrulheiro marítimo P-3 Orion da
Força Aérea Portuguesa quase que foi inutilizada devido à presença de
militares não-participantes do exercício nos conveses externos. Este
detalhe dificultou a contagem dos “tripulantes” pelos observadores
dentro da aeronave.
O treinamento em terra
dos militares que vão realizar as abordagens seja melhor, uma vez que
muitas das suas deficiências técnicas são visíveis a olho nu. O período
atual de algumas semanas antes do início do exercício parece não ter
sido suficientes para que os militares africanos aprendam como fazê-la
adequadamente.
Realizar o exercício
em mais do que uma única área complicou toda a sua logística e não
promoveu a integração ambicionada. Uma hipótese talvez seja sempre ter
um navio como um único alvo para que cada uma das equipes africanas
possa aprender observando os erros das demais.
Analisando o que já
foi alcançado nesses cinco primeiros anos desde o seu início, muito já
melhorou muitas lições foram aprendidas. O caminho adiante ainda é
vasto, mas é a única forma de se conseguir uma significativa redução da
pirataria na região do Golfo da Guiné.
Como Brasil almeja uma
relação cada vez mais intima e próxima dos países da África Ocidental o
momento político para esta aproximação é justamente agora e os Navios
Patrulha da Classe Amazonas se provaram ser as ferramenta ideais para
serem empregados naquela região.
Nenhum comentário:
Postar um comentário