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domingo, 23 de novembro de 2014

Obangame Express 2014

“Golfo da Guiné” é o nome dado pelos cartógrafos ao trecho do Atlântico Sul, na costa africana, delimitado nos seus extremos por Libéria e Gabão. Esta região forma uma grande reentrância característica do lado oeste daquele continente. As costas da Libéria, Costa do Marfim, Gana, Togo, Benim, Nigéria, Camarões, Guiné Equatorial, Gabão e a nação-arquipélago de São Tomé e Príncipe são banhadas pelo Golfo da Guiné. Neste início do século XXI esta região assumiu um destaque por duas razões distintas, mas certamente interconectadas, a produção de petróleo e a pirataria. Tamanha riqueza tem que atrair o interesse de players geopolíticos externos como EUA, China, Brasil, França e Reino Unido.
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O AFRICOM
Para combater o problema da Pirataria, do extremismo islâmico e principalmente para garantir a paz e a tranquilidade das operações petrolíferas na região, o Presidente americano George W. Bush em 2007 declarou a instalação do African Command, ou simplesmente AFRICOM, que iniciou formalmente suas atividades em 2008.
Ao AFRICOM cabe a vigilância e cooperação com as forças armadas da África com vários vieses, inteligência, apoio logístico a unidades e navios militares americanos na região e principalmente a realização de exercícios em conjunto com os países da África, insulares e continentais.
O African Command já dispõe de cerca de 2.000 funcionários próprios, incluindo militares , funcionários civis baseados nos Estados Unidos, e outros funcionários contratados . Cerca de 1.500 destes postos de trabalho ficam na sede do comando, em Stuttgart, Alemanha. Outros são estão nas unidades do AFRICOM na Base Aérea de MacDill , Florida, e RAF Molesworth  na Inglaterra.
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Os programas do AFRICOM são coordenados pelos Escritórios de Cooperação de Segurança e Defesa em cerca de 38 nações. O comando também tem oficiais de ligação nos postos – chave das forças armadas africanas , incluindo também a sede da União Africana , da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) e Centro Internacional de Formação em Manutenção da Paz Kofi Annan, em Gana.
Segundo as informações do Site do AFRICOM os seus custos de funcionamento estão na casa dos US$ 274 milhões no Ano Fiscal de 2010. Foram ainda 286 milhões dólares americanos no ano fiscal de 2011 e US $ 276 milhões de Ano Fiscal de 2012. Um investimento pequeno se comparado com a os valores de US$ 160 milhões exigidos pelos piratas para resgate de aproximadamente 50 navios capturados na costa da Somália.
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O Obangame Express
O AFRICOM realiza anualmente quatro exercícios navais sequenciais "Express" voltados para o desenvolvimento das capacidades das marinhas africanas. Na costa do Mediterrâneo existe o Phoenix Express, na costa noroeste do continente fica o Sahara Express, na costa leste ocorre o Cutlass Express e no Golfo da Guiné é realizado o Obangame Express. O primeiro Obangame aconteceu no ano de 2009 com a coordenação do AFRICOM para instruir as forças navais dos países a África Central no combate à pirataria ao contrabando e ao tráfego de drogas. Então, antes que a situação tomasse a mídia ocidental como a Somália faz até hoje, a estratégia do governo americano foi colocar a Marinha e a Guarda Costeira americanas para apoiar imediatamente a capacitação das marinhas locais.
“Obangame” é um termo recorrente em muitos dos 250 dialetos da região cujo o significado mais comum é “todos juntos”. Este é o objetivo primário do exercício que em 2014 contou com 23 diferentes países participantes. Cada um participa com os meios de que dispõe, seja enviando um navio ou apenas forças militares para auxiliar na execução e no preparo do evento. Neste ano os participantes foram: Angola; Bélgica (Navio de Apoio Logístico Godetia); Benin, Brasil (NaPaOc Apa, do qual falaremos mais abaixo), Camarões, Costa do Marfim, Guiné Equatorial, França, Gabão (lancha La Benue), Alemanha (fragatas Hamburg e Koln e o N/T Berlin), Gana, Holanda, Nigéria ( navios Thunder, Kyanwa, Zaria, Andoni, Ikot-Abasi, Benin, Ibusa, Dorina, Egede e Torie), Portugal (Fragata Bartolomeu Dias), República do Congo, São Tomé e Príncipe, Espanha(navio patrulha oceânica Infanta Elena), Togo, Turquia (fragatas Gediz, Orucreis, a corveta stealth Heybeliada e o N/T Yarbay Kudret Gungor) e Estados Unidos (USNS Spearhead).
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O exercício foi conduzido em duas diferentes zonas do Golfo da Guiné. A maior delas a cerca de 30 milhas do porto de Lagos na Nigéria e a outra a cerca de 20 milhas náuticas do porto de Douala em Cameroun. Esses dois portos junto com o porto de Idenau também em Cameroun serviram de apoio para quase todos os navios envolvidos no exercício.
O Porto de Lagos, além de ter recebido a maior concentração de embarcações, só da marinha da Nigéria eram 10, também era a base principal do exercício e onde estava o Centro de Avaliação da Capacidade Marítima de Lagos, organização que fica na Base Naval do Leste da Marinha Nigeriana.
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O Porto de Douala recebeu os Navios do Brasil, Portugal e Bélgica. Esta cidade, que é a maior do país, também abriga o Centro Multinacional de Coordenação dos Países da África Central, (ou CMC) que serviu de base para o Centro de Operações Marítimas do Exercício, ou “MOC”. O objetivo do MOC é prover o adestramento necessário para controle de áreas marítimas, e para isso foi usado um sistema de comunicação UHF/VHF falado em inglês, que tinha como objetivo integrar e facilitar o processo de tomada de decisão frente às situações que podem ocorrer no mar. O MOC tinha o poder de alertar as embarcações navais sobre atividades suspeitas, avaliar e responder aos dados enviados pelos navios que observaram as atividades suspeitas.
Idenau, além de receber outros navios internacionais é o lar do Batalhão de Intervenção Rápida da Marinha de Cameroun. Não deixa de ser curioso que a despeito da pirataria estar localizada no norte junto à fronteira com a Nigéria, o porto de Idenau fique mais ao sul e mais distante da região onde ocorrem os principais ataques.
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O Objetivo do Exercício Obangame Express é muito simples, capacitar e dotar as forcas africanas naquela região de meios e técnicas para combater eficientemente o problema da pirataria na região do golfo da Guiné. Esse objetivo embora simples em sua concepção ainda é muito complexo em sua execução. Ao olhar para os estados da orla do Golfo da Guiné estamos vendo países cujas limitações na área da defesa são gigantes, apresentando deficiências sérias que se estendem desde a formação básica e treinamento de pessoal até o domínio dos conhecimentos mais avançados em estratégias e utilização dos meios disponíveis entre os oficiais.
Por esse motivo a concepção e o cenário do exercício com um todo são muito objetivos, e não desenvolvem nada além de simples atividades de abordagem. No cenário proposto no Obangame Express 2014, apenas para simplificar, todos os países atuaram como se fossem participantes do Código de Conduta do Golfo da Guiné (CoC), acordo real cujo artigo 17 afirma que no ano de 2013 as nações signatárias realizariam os esforços necessários para transformar o código em um tratado multilateral.
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Por conta disso, dentro do cenário, foi “assinado” em julho de 2013 um Tratado Multilateral de Estabelecimento da Zona Marítima, de forma a erradicar todas as atividades ilegais na costa oeste da África. O documento possui uma série de pontos comuns com o CoC e também estabelece que algumas áreas do golfo da Guiné serão destinados para os exercícios militares. O exercício tem o objetivo adicional de ajudar a concretizar e implementar tratados multilaterais como este, pela sua aplicação direta em atividades diárias e muito realistas.
O exercício Obangame Express em si consistiu na prática repetitiva de abordagem de navios suspeitos.Embora seja algo muito básico ele é exatamente a prática necessária para marinhas cuja principal ameaça é a pirataria. Ainda que a abordagem de embarcações com grupamento de GVI (Grupo de Visita e Inspeção) seja algo rotineiro na Marinha do Brasil e de outras marinhas ocidentais, isso exige uma técnica e um adestramento muito apurado. Para abordar uma embarcação que tenha talvez 10 ou 15 tripulantes um GVI precisa ser composto de 6 a 8 pessoas em média. O processo exige um grau de controle significativo, não só de armas e seu manuseio, de técnicas de abordagem, mas também de psicologia e calma, principalmente quando a comunicação é difícil.
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O Apa deixou o Porto de Douala às 8:30 horas da manhã de sábado, dia 19 de abril. O tempo estava claro e a maré alta no Rio Wouri ajudou na desatracação rápida e segura do patrulheiro oceânico brasileiro. A Fragata Bartolomeu Dias havia zarpado 20 minutos antes e liderava nosso comboio que era fechado pelo Navio Belga Godetia. Os belgas suspenderam 28 minutos depois do NaPaOc Apa.
Os navios seguiram em velocidade aproximada de 8 nós até a saída do rio quando, finalmente, o grupo acelerou para confortáveis 11 nós. O local do primeiro exercício foi alcançado quase uma hora e meia antes do previsto, o que permitiu a realização de algumas manobras para aproveitar o tempo extra. Nesta ocasião aproveitou-se para realizar mais uma instrução os Angolanos que estavam a bordo do Apa sobre a interrogação por rádio em inglês, a língua de comunicação do exercício.
O treinamento foi realizado em meio a um passadiço movimentado com as manobras táticas entre os navio com as demais frequências de comunicação do exercício sendo usados para outras atividades. Daí pode-se notar o quão difícil se torna a questão do adestramento e da comunicação. Embora os militares angolanos fossem perfeitamente capazes de entender o português brasileiro no rádio e vice versa, o seu problema maior residia na incapacidade de se comunicar na língua inglesa. Deixando todos os juízos de valor de fora, isso enfatiza como que problemas simples evidenciam o despreparo de formação das forças africanas, mesmo antes de se iniciar qualquer uma das atividades práticas de abordagem.
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No horário programado, o MOC deu a autorização para os navios iniciarem o exercício. Como acertado anteriormente na reunião de “Pre-sail”, uma aeronave patrulha P-3 Orion da Força Aérea Portuguesa deveria informar ao MOC a existência de uma embarcação suspeita, identificar o número estimado de pessoas a bordo e solicitar ao MOC o envio de uma embarcação para averiguar.
Os militares angolanos a bordo do Apa realizaram as primeiras comunicações de radio ainda sem saber exatamente o que teriam que fazer. Continuamente acompanhados pelo Capitão de Corveta Silva Neto do Centro de Adestramento Almirante Marques Leão (CAAML), eles conseguiram cumprir os obstáculos da língua inglesa permitindo a abordagem correta da embarcação.
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Após realizar os questionamentos padrão: número de tripulantes, registro da embarcação, presença ou não de armamentos, destino e propósito da viagem, foram iniciados os procedimentos para realizar fisicamente a abordagem ao navio suspeito. As últimas instruções foram passadas diretamente pelo CAAML enquanto a lancha Zodiac do Apa era retirada do seu berço e guindada para uma posição na lateral do navio e na mesma altura do convés.
A Zodiac, operada por Praças da Marinha do Brasil, seguiu os procedimentos de abordagem de forma simples e direta, realizando a passagem em ambos os bordos do navio para checar qualquer irregularidade. Por segurança ela nunca passava pela proa do navio que estava sendo abordado.
O embarque dos inspetores angolanos foi feito pela escada do prático posicionada a bombordo da fragata Bartolomeu Dias. Uma vez a bordo, os procedimentos de checagem dos documentos foram feitos corretamente e os angolanos passaram a realizar sua busca no exterior e interior do navio português.  O seu objetivo era de encontrar alguma irregularidade ou discrepância. Andando pelo navio foi seguida a regra dos dois homens, um sempre a vante e outro cobrindo sua retaguarda. Após as devidas interrogações, tanto o navio como a sua tripulação foram liberados. Momento em que os avaliadores portugueses passaram a realizar um pequeno debriefing identificando os pontos positivos e negativos da abordagem angolana antes deles serem reconduzidos ao Apa.
No final da tarde, o cenário foi invertido. A embarcação a ser abordagem seria o Apa, e os militares de São Tomé e Príncipe embarcados na Bartolomeu Dias realizariam a abordagem.
As deficiências da abordagem dos militares de São Tomé começaram pela falta de sistemas de comunicação eficazes, principalmente entre eles mesmos. Por diversas vezes o capitão do “navio suspeito” deu informações desencontradas daquelas inicialmente transmitidas pelo radio. Quando questionado pelos inspetores ele também deu informações diferenciadas. O capitão ostensivamente portava uma faca no cinto que em nenhum momento lhe foi tirada. O cenário construído pelo Apa para a abordagem era de busca por “armamentos” que estavam escondidos no paiol de cabos do navio.
No entanto a inspeção da equipe de São Tomé e Príncipe não foi capaz de localizar os artefatos incriminadores a bordo do Apa. No final o Comandante Silva Neto realizou um debriefing destacando que os pontos em que eles precisariam melhorar eram a observação dos dados que foram apresentados a eles e a melhoria na forma de comunicação interna.
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No dia seguinte, o mau tempo previsto pelos meteorologistas impediu a realização de atividades de abordagem do time do Gabão que estava a bordo do Godetia. Logo no final da manha os três navios entraram em uma área de baixa visibilidade o que os forçou a reduzir um pouco a velocidade, ligar as luzes de navegação e suspender todas as atividades até que tempo apresentasse algum tipo de melhora. A aeronave P-3 portuguesa que apoiava o exercício também não tinha a visibilidade para poder realizar sua tarefa e quando finalmente o tempo mudou o exercício já tinha sido encerrado.
Na tarde daquele dia o vento já melhorado significativamente, mas, ainda assim, a lancha La Benuoe de Cameroun pulava como um brinquedo de uma criança na água de tão agitado que estava o mar. Por alguns momentos, as condições do mar chegaram ao grau 4 da Escala de Beaufort. Apesr disso a chuva forte que pela manha lavou o convés do Apa agora mais se assemelhava à tradicional garoa paulista.
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Após um intervalo 40 minutos a melhora das condições do mar finalmente permitiu à embarcação realizar a sua abordagem no Apa. Diferente dos angolanos e dos sãotomeenses, os marinheiros camaroneses não tinham quem os orientasse na realização do procedimento de abordagem realizado com o auxilio de um Navio Patrulha, cujas características se assemelham muito com as dos NPa da Classe Grajaú da Marinha do Brasil.
Ironicamente a abordagem conduzida pelos militares de Cameroun foi de longe uma das melhores dentro do exercício. As falhas encontradas e observadas foram em geral muito pequenas, e ainda que não tenham conseguido encontrar os “imigrantes ilegais” (papel representado no Apa pelos militares angolanos) que estavam escondidos no paiol de cabos, eles tiveram uma postura e conduta muito boa ao longo de todo o exercício. Os Camaroneses permaneceram em comunicação constante, perceberam as contradições do “comandante”, seu o único pequeno problema sendo a dependência exclusiva na língua francesa.
Como as condições visuais para o P-3 ainda não estavam boas, a etapa de visualização da embarcação pela aeronave foi pulada e o MOC autorizou a abordagem direta do navio suspeito dando inicio ao exercício. Mais uma vez, os militares angolanos tiveram que interrogar a embarcação suspeita e dessa segunda vez, a tranquilidade e o conhecimento dos passos a serem tomados foram contrastantes a experiência do dia anterior. A segurança passada pelo Sargento Kilola no rádio foi fundamental.
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O tenente Oliveira, brasileiro nato filho de pai belga que já servia ha dois anos na Real Marinha Belga, ajudou na tradução e também auxiliou a tornar fluida a comunicação entre o Apa e o Godetia.
A dificuldade dos “inspetores” em separar os tripulantes que estavam envolvidos no exercício daqueles que estavam sem uniforme por estarem de folga forçou a interrupção do exercício e seu subseqüente reinício. Todo este processo tomou muito tempo e com o tempo fechado e chuvoso a falta de luz natural acabou atrapalhando um pouco o exercício.
No terceiro dia do Obangame Express, o sol voltou a brilhar e o Apa e o Godetia receberam autorização para re-encenar o exercício que havia sido cancelado no dia anterior pelo mal tempo. Nesse exercício o Apa foi abordado pelos militares do Gabão que estavam a bordo do Godetia. Mais uma vez, o tenente “brasileiro” da Real Marinha Belga acompanhou a vinda dos “inspetores” auxiliando na tradução.
Terminado o exercício com o Godetia o MOC autorizou a execução do último exercício, uma perseguição pelo Apa do Godetia que simulava um cargueiro tentando evadir-se das águas territoriais de Angola. Imediatamente após a oprdem dada o Apa seguiu com “maquinas a diante 6”, alcançando 19 nós de velocidade com picos de 20.
O Godetia ignorou as ordens de parar maquinas passadas via rádio o que fez o Apa disparar um tiro simulado diante da proa do navio belga. Os militares de Angola seguiram então na lancha até o navio e lá encontraram um “ferido” e prenderam os cinco “piratas” que estavam a bordo. A condução desse exercício foi muito elogiada pelo Comandante Silva Neto do CAAML.
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Ao inicio da tarde os navios seguiram com rumo ao porto de Douala, o Apa atracou entre um mercante e o Godetia sem precisar do auxilio de rebocadores deixando um espaço de menos de oito metros a ré e seis a vante, uma manobra muito difícil.
O Apa no Obangame: ensinando os marinheiros africanos e aprendendo sobre a África
Dos navios presentes em Doula o Apa certamente foi o que mais chamou a atenção neste exercício. Sendo uma embarcação completamente nova, com um projeto moderno e muito funcional, ela foi visitado por oficiais e praças dos dois navios europeus com quem ele se exercitou, sempre recebendo muitos elogios.
O Apa é um navio simples cuja flexibilidade lhe permite realizar diversos tipos de missões diferentes. O Apa conseguia colocar sua lancha na água em um tempo bem menor do que a fragata Bartolomeu Dias da Marinha de Portugal. Por ser bem espaçoso no seu interior o Apa acomodou os militares angolanos confortavelmente sem que eles precisassem circular perto das áreas sensíveis do navio.
Antes mesmo do início da Obangame, ainda a caminho do Porto de Douala, o Apa aproveitou a oportunidade para operar em conjunto com o navio português quando, demostrando o real valor da interoperabilidade, recebeu pra pouso em seu convoo a aeronave Agusta Westland Super Lynx, além de protagonizar uma descida com “fast rope” dos militares portugueses. O valor estratégico desta capacidade de operação cooperativa da MB com uma marinha da OTAN é evidente.
Como a corveta Barroso quase quatro anos antes, o Apa passou por dificuldades no que tange o fornecimento de água potável no porto de Douala. Diferente do que ocorre no Brasil (e na América do Sul , do Norte e Europa) nos portos africanos este é um tema bastante sensível, uma vez que as condições muito insatisfatórias da água local dificultam seu uso para atividades da área da higiene pessoal. No Cameroun o navio foi forçado a adquirir água mineral engarrafada para poder cozinhar e para dar de beber aos tripulantes.
Problemas como esse estarão presentes por toda a costa África, e como esta será uma das áreas freqüentes de atuação dos Navios Patrulha de 1800 toneladas da Marinha do Brasil será bom começar a pensar em soluções que possam ser empregadas para reduzir custos e aumentar autonomias.
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Porque o Brasil se interessa pela África?
Um dos maiores focos da defesa brasileira é o Atlântico Sul, especialmente a chamada Amazônia Azul próxima à costa brasileira. Mas do outro extremo do Atlântico o governo brasileiro vem incentivando, desde a década de 60, um crescente engajamento com os países africanos da costa oeste da África que abrange desde o óbvio plano comercial, até o político, agropecuário, de saúde pública, de defesa e também o cultural. A presença do Brasil como um dos fomentadores e pilar de sustentação da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (a ZOPACAS) apenas confirma a convergência política brasileira com esta região. Por seu lado a Marinha participa dos exercícios navais regulares “Atlasur” e “Ibsamar” contam com a participação de meios navais da República da África do Sul além de outros países. Para saber mais sobre o Brasil e a África não deixem de ler o nosso outro artigo que foca especificamente a no interesse do Brasil pela África desde antes mesmo de sua independência.
A ameaça da explosão da Pirataria
O termo “pirataria” provoca duas imagens na cabeça da maioria das pessoas. A primeira é a do pirata romanceado da literatura e do cinema (tipo o “Jack Sparrow”, da trilogia Piratas do Caribe) que pouco tem a ver com as figuras históricas que infestavam o Caribe no século XVIII. A segunda imagem é bem mais atual e mais realista, a dos somalianos esquálidos e desesperados do filme “Capitão Philips”.
Assim, para muita gente no Brasil e fora, o Continente Africano ainda se resume apenas uma palavra: “problemas”. Para os marinheiros mercantes em especial esse problema é mais bem definido por outra palavra: “pirataria”. Um cenário percebido de forma mais aguda em dois pontos daquele continente, no “Chifre da África” na Costa Oriental e no Golfo da Guiné na Costa Ocidental.
No lado leste do continente, nos mares ao redor da Somália, constantes casos de pirataria ganharam visibilidade pública freqüentando a primeira página de muitos jornais. O seqüestro do mercante de bandeira e tripulação americana Maersk Alabama foi marcante por sua duração e principalmente pela repercussão que a impressa americana deu ao fato, acusando as forcas internacionais de patrulha naquela região de demorar a agir e de não ter o devido preparo para enfrentar a ameaça representada pelos piratas.
O Golfo de Aden, ao sul da península Arábica, é um dos locais por onde passa um dos maiores tráfegos marítimos do mundo, sendo um prolongamento da rota do Canal de Suez. Ali a intervenção naval direta dos países ocidentais ao largo da costa da Somália fez os piratas mudarem-se para regiões cada vez mais longínquas, tanto no Mar da Arábia quanto no Oceano Índico.
A pirataria existente nas costas da Somália difere da do Golfo da Guiné por seu alvo. Enquanto nos mares ao redor da Somália são essencialmente uma rota de passagem internacional para as mais diversas cargas marítimas, o foco do pirata no Golfo da Guiné está nos seus próprios recursos minerais e energéticos. Ao redor dos grandes portos da região como Lagos e Port Harcourt, na Nigéria e Douala e Idenau, no Cameroun, existe um grande fluxo de embarcações comerciais. Mas a grande preocupação ali reside mesmo nas plataformas de extração de petróleo do offshore e na entrada de embarcações que só existem para suprir a demanda de armas e drogas dos grupos extremistas atuantes na região. Fator este que coopera fortemente para prejudicar a já delicada estabilidade política interna dos diversos países daquela região.
O fenômeno da pirataria na região do Golfo da Guiné não é novidade, pelo contrário, é um processo antigo, mas cujas proporções têm crescido ainda mais nos últimos anos. Segundo os números da Organização Marítima Internacional, IMO, em 2013 ocorreram 54 ataques a embarcações que navegavam pelo Golfo da Guiné, mas o que mais chama a atenção da IMO é a escalada da violência como um todo, principalmente pelo lado dos piratas que vêm agindo com maior brutalidade.
Só no ano passado, foram registradas 26 trocas de tiros entre piratas e forças de defesa na região, em nenhuma outra região do globo esse índice foi tão alto. Para mero efeito de comparação, segundo outro relatório da IMO de 2014, em 2013 foram registrados apenas 20 casos de pirataria no Golfo de Aden.
Este relatório também aponta que os ataques no mar estão concentrados de forma significativa na costa da Nigéria, especificadamente no delta do Niger. Vale ressaltar que a região do Delta do Niger é uma área predominantemente mulçumana sofrendo constante influência do grupo extremista Boko-Haram. Informações obtidas no Cameroun apontam laços entre os extremistas e a pirataria, porém isso ainda foi publicamente confirmado.
Em uma entrevista para o canal de TV alemão Deutsche-Welle o especialista em segurança Ian Millen, Director of Intelligence da empresa Dryad Maritime, comentou que: "Há uma infra-estrutura criminosa muito bem desenvolvida na Nigéria, especialmente na região do Delta do Níger. Os roubos de petróleo bruto e também de combustíveis refinados ocorrem igualmente nas áreas marítimas e em terra. É por isso que os navios petroleiros têm sido sequestrados."
Ian Millen também aponta que o foco das ações de pirataria no Golfo da Guiné são mais ligadas às atividades de exploração do petróleo do que as do transporte de carga internacional propriamente dito. "Isso acontece principalmente porque, como todos sabemos, essa atividade é uma fonte gigante de dinheiro e atrai muito a atenção de todos. Se você ataca um navio carregado com frutas para exportação, a importância que a comunidade internacional dá a isso é muito limitada. Agora se o problema reside no funcionamento dos carros e na geração de energia, certamente a situação como um todo será vista diferentemente."
A despeito de todos seus problemas, o Golfo da Guiné tem incrementado nos últimos anos a sua produção de petróleo. No entanto, apenas uma pequena parcela desta riqueza realmente fica nos países produtores. Isso se dá por motivos que variam desde a falta de mão de obra especializada capacitada para exercer a atividade altamente complexa da exploração de petróleo no offshore, até a simples falta de capacidade financeira dos estados locais para realizar os pesados investimentos, seja devido à corrupção ou pela simples falta de reservas para investimento.
Em alguns países fora do Golfo da Guiné, como a Angola, o legado dessa riqueza mineral é mais sensível, ou seja, é possível reconhecer como a indústria petrolífera mudou a região e assim gera uma transformação importante. O Embaixador do Brasil no Cameroun, Ney Bittencourt alertou: "... a riqueza do petróleo é muito volátil, ou seja, embora ela tenha um momentum e um poder de gerar riqueza muito grande, nos países da África essa riqueza é passageira, porque o uso desse dinheiro é em sua grande maioria focado na construção, ou, na tentativa de construção, de uma infraestrutura básica no país. E isso não basta para atrair outros ciclos de investimentos".
Isso era bem perceptível nas ruas de Douala, maior cidade e coração econômico do Cameroun. País que já teve que teve seu pico de exportador de petróleo da década de 80 até o final da de 90, o Cameroun  tem prédios públicos e uma infraestrutura urbana apresentável, especialmente quando comparado com os demais vizinhos. Mas esta infraestrutura está aos poucos definhando, seja pela falta de capacidade do governo em realizar a manutenção adequadamente, ou pela escassez de mão de obra especializada local. A falta de indústrias que dariam sustentabilidade e uma insuficiente gestão dos limitados recursos governamentais que o país possui terminam por adiar o progresso.
Para entender um pouco o problema da mão de obra no país, conversamos com um funcionário chinês de uma das várias empresas chinesas que operam ali. Perguntado sobre quantos nacionais trabalhavam nas plataformas a resposta foi direta “nenhum! Todos nossos trabalhadores vêm da China ou de países vizinhos a China”. Este fato podia ser confirmado empiricamente apenas com uma andada pelo hall do Hotel. Ali os ocidentais usavam macacões de cor laranja, enquanto os chineses usavam macacões azuis.
Os problemas sociais dos países africanos são uma das causas primárias do aumento da pirataria na região, e ao mesmo tempo um dos principais argumentos usados pelos grupos extremistas para recrutar a mão de obra para a sua causa "libertadora". Os embargos promovidos pelas Nações Unidas fazem os grupos extremistas buscar outros meios para angariar fundos para sua causa. O seqüestro da riqueza que passa ostensivamente na porta de suas casas todos os dias é um meio destes. Assim a pirataria no Golfo da Guiné ganhou força nos anos recentes.
Na costa ocidental da África, especialmente no Golfo da Guiné, o trafego mercante não é tão grande, mas desde o início da década de 70 essa região vem sofrendo boom com a expansão da exploração de petróleo o que explica o aparecimento dos primeiros ataques. No ano de 2013 a cadeia de televisão alemã Deutsche-Welle realizou uma série de reportagens (ainda disponíveis em seu site) expondo os perigos da navegação naquela área.
Essa mudança ocorre em um momento crucial para toda a região. A Nigéria é o país mais populoso, a maior economia e o maior Produto Interno Bruto da África, apresentando um crescimento econômico considerável nos últimos anos. Esta expansão se reflete igualmente na maioria dos seus vizinhos no Golfo da Guiné que são produtores de petróleo. Junto com esta nova afluência, vem a instabilidade como o aumento das atividades terroristas do grupo extremista islâmico. O grupo nigeriano Boko-Haram atuando no nordeste daquele país junto com o crescimento das milícias católicas colocam a Nigéria, em uma posição desconfortável e muito visível no plano internacional.
As perguntas chaves para entender esta situação são: “porque a pirataria é preocupante”? E: “como isso influencia toda a região do Golfo e os países do seu entorno se os ataques dos grupos terroristas da Nigéria ainda não extrapolaram as fronteiras daquele país”? Para responder a essas perguntas teremos que voltar na História cerca de 50 anos para ver como todo esse processo se desencadeou, como as relações entre os estados da região ficaram tão frágeis e como isso pode ainda desencadear uma serie de novos problemas no futuro.
Uma geografia do Golfo da Guiné
Três grandes rios escoam a produção da África Central no Golfo da Guiné, o Volta, o Ogoué e o Níger. Esta é uma região geologicamente ativa e economicamente significativa. Nas águas territoriais de todos os estados do Golfo da Guiné é possível encontrar petróleo, mas a despeito disso, esta indústria não se encontra igualmente desenvolvida em todos eles.
Segundo a teoria da deriva continental (Tectônica das Placas) a região do Nordeste brasileiro no passado se encaixava quase que perfeitamente no côncavo do Golfo da Guiné. Em 2013 a Petrobrás divulgou ter encontrado novas jazidas de petróleo no nordeste brasileiro, o que aumenta a probabilidade de que nem todas as jazidas do Golfo da Guiné tenham sido ainda descobertas e exploradas, tanto no pós quanto no pré-sal.
Em termos étnicos os povos da orla do Golfo da Guiné possuem uma rica tradição Bantu, sendo lá que as principais tribos africanas foram formadas e depois se espalharam por toda a região. As tribos que habitavam o Golfo da Guiné eram altamente evoluídas, com o domínio da agricultura desde antes do início da Era Cristã.
O primeiro contato destes com estrangeiros ocorreu no período da expansão islâmica, no século VI. Ainda que o contato não fosse direto e permanente, muitas destas tribos acabaram adotando o Islã e o seguindo até os dias atuais.
O segundo ciclo de contato foi feito com os portugueses por volta de 1440, quando estes buscavam novas rotas marítimas para chegar as Índias. Foi nesse período que o processo de colonização se iniciou, ainda sem objetivos de exploração da mão de obra escrava, mas basicamente do estabelecimento de bases de apoio para os navios da “Carreira das Índias”.
Com a paulatina transferência da hegemonia européia de Portugal para Inglaterra no século XVIII , e em meados do século seguinte a partilha da África que deflagrou a onda imperialista das potências européias que definiu novas fronteiras no interior do continente. Antes disso a presença dos colonizadores se mantinha unicamente na região próxima do mar.
Nigéria
A história da Nigéria se confunde com a de muitos outros países da África nos mais diferentes pontos. Logo após o fim da colonização portuguesa, foi a vez dos ingleses que em 1886 criaram a Companhia Real do Níger, cuja função era controlar toda entrada e saída de mercadoria na região do Níger.
No final da Segunda Guerra Mundial, a coroa britânica, devido ao forte sentimento nacionalista no país, deu inicio a transição de colônia para um país independente, que só foi concluído em 1960.  Porém a forte instabilidade do país devido a sua pluralidade étnica e cultural fomentou golpes sucessivos e uma guerra civil entre 1967 e 70, quando a região costeira de Biafra declarou-se uma república independente.
Mais de uma década se passou e até que um golpe militar em 1983 inaugura um período de relativa paz. Em 1996 ocorreram as primeiras eleições presidenciais no país, marcadas também pela violência em vários locais de votação.
Além dos problemas internos, a Nigéria também teve uma relação conturbada com seus vizinhos. Disputas territoriais entre a Nigéria e Cameroun ocorreram pela posse de uma península na região fronteiriça entre os dois Estados. A questão da Península Bakassi na foi resolvida em 2002 pela Corte Internacional de Justiça que determinou que a região fosse entregue ao vizinho Cameroun, seguindo os anseios da população local que é de maioria cristã.
Cameroun
Quando os primeiros portugueses conheceram os rios do Cameroun eles se surpreenderam com a abundância de camarões na água e por batizaram a região com o nome que o país carrega ate hoje. A colonização do Cameroun ao contrário da Nigéria demorou se iniciar por conta da malária. Esta doença tropical fatal aflige o país até os dias de hoje, sendo uma das suas principais causas de morte no país.
O inicio da colonização européia na região se iniciou com a vinda dos Alemães no século XIX, que tiverm que aprender com as tribos locais técnicas para evitar a malária. Porém essa colonização durou pouco tempo. Com o fim da Primeira Guerra Mundial e a consequente derrota dos países da Tríplice Aliança em 1918, o Cameroun alemão foi ocupado por ingleses ao norte e pelos franceses no centro e sul.
O Cameroun conquistou a sua independência em 1960 através de luta armada. Ainda que o período político posterior à independência não tenha sido tão conturbado quando o da Nigéria, houve casos de atritos entre os povos do norte e os do centro, especialmente por diferenças religiosas. No norte predominava uma comunidade islâmica que optou pela adesão à Nigéria, porém os cristãos do sul, inclusive aqueles localizados na península Bakassi fundaram o país Cameroun independente o que originou uma disputa entre estes dois estados.
A consolidação do Estado Camerounense foi rápida e pacifica quando comparada com a dos demais países da região. Os pequenos atritos foram solucionados quando em 1986 Paul Byia, um general, assumiu a presidência do país, realizando eleições anos depois com ele como o único candidato. Ele permanece na presidência até os dias atuais.
Conclusão
O Obangame Express é definitivamente um exercício que ainda tem muito que evoluir nos mais diferentes aspectos. Para isso será preciso aumentar o grau de comprometimento dos países envolvidos, principalmente no que diz respeito à comunicação e à execução do exercício. Exemplo disso foi que a importante contribuição tática do patrulheiro marítimo P-3 Orion da Força Aérea Portuguesa quase que foi inutilizada devido à presença de militares não-participantes do exercício nos conveses externos. Este detalhe dificultou a contagem dos “tripulantes” pelos observadores dentro da aeronave.
O treinamento em terra dos militares que vão realizar as abordagens seja melhor, uma vez que  muitas das suas deficiências técnicas são visíveis a olho nu. O período atual de algumas semanas antes do início do exercício parece não ter sido suficientes para que os militares africanos aprendam como fazê-la adequadamente.
Realizar o exercício em mais do que uma única área complicou toda a sua logística e não promoveu a integração ambicionada. Uma hipótese talvez seja sempre ter um navio como um único alvo para que cada uma das equipes africanas possa aprender observando os erros das demais.
Analisando o que já foi alcançado nesses cinco primeiros anos desde o seu início, muito já melhorou muitas lições foram aprendidas. O caminho adiante ainda é vasto, mas é a única forma de se conseguir uma significativa redução da pirataria na região do Golfo da Guiné.
Como Brasil almeja uma relação cada vez mais intima e próxima dos países da África Ocidental o momento político para esta aproximação é justamente agora e os Navios Patrulha da Classe Amazonas se provaram ser as ferramenta ideais para serem empregados naquela região.

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