Ministros
Celso Amorim e Agustin Rossi no rollout do KC-390,em 21 de Outubro
2014. Na oportunidade foi assinada a Aliança Estratégica entre o Brasil e
a Argentina. Foto - Casa Rosada
Cheia de incertezas, ‘Aliança Estratégica’
com argentinos pode trazer danos ao Brasil
O acordo de cooperação entre as indústrias aeronáuticas do Brasil e da Argentina, pomposamente batizado de “Aliança Estratégica” – que prevê a transferência, na próxima década, de 24 caças-bombardeiros Embraer Gripen NG para a Fuerza Aerea Argentina (FAA) –, ainda é um assunto pleno de incertezas quanto às chances de dar certo, mas já produz desconforto no relacionamento de Brasília com Londres.
O Foreign Office (Ministério do Exterior britânico) fez, sobre o tema, duas consultas verbais e (ainda) informais a representantes diplomáticos brasileiros – uma por meio da visita de um diplomata inglês ao Itamaraty, e outra em Londres, durante uma reunião na sede do serviço diplomático local, assistida por funcionários da Embaixada do Brasil.
Em ambas as oportunidades os ingleses manifestaram a preocupação de que, no futuro, os Gripen produzidos no Brasil possam, nas mãos dos pilotos argentinos, representar uma ameaça direta ao dispositivo militar do território ultramarino das Falklands (nome pelo qual designam o arquipélago das Malvinas).
A resposta brasileira foi sempre a de que o governo Dilma Roussef está atento à necessidade de preservação da estabilidade regional, e, por isso mesmo, é um dos patrocinadores mais intransigentes da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS). Além disso, a administração petista está cônscia dos fortes laços militares que unem os dois países: seja no uso de componentes britânicos a bordo dos caças suecos Gripen (vencedores, em dezembro de 2013, da concorrência conhecida como F-X2), seja no atual momento de estreita cooperação entre as marinhas dos dois países.
Exocet- Mas tais garantias – que pareceram apenas retóricas e desceram com dificuldade pela garganta dos ingleses – não iludem a vigilância dos responsáveis pela segurança das Falklands.
A equipe da Embaixada do Reino Unido em Buenos Aires – chefiada pelo veterano diplomata John Freeman, um especialista em mísseis e armas químicas – considera plenamente possível que o Brasil esteja cooperando secretamente com a Argentina na produção de armas sensíveis.
Nos últimos meses, especialistas europeus da indústria de armamentos tiveram sua atenção despertada para a campanha de testes realizada pela Marinha do Brasil, nos meses de maio de 2012 e de agosto de 2013, com um motor de fabricação nacional para o míssil superfície-superfície MM-40 Exocet, de origem francesa. Cinco meses e meio atrás, O Instituto de Pesquisa Científica e Tecnológica para Defesa do governo argentino e a própria Armada Argentina, admitiram que também estão desenvolvendo o motor do míssil anti-navio Exocet.
Em maio os argentinos realizaram uma prova de bancada com o booster do motor do míssil. A próxima etapa é testar a resistência do receptáculo de suporte do motor. Os militares de Buenos Aires querem aprender a construir o grupo propulsor dos modelos MM-38 e MM-40 do Exocet – serviço que, em tese, os habilitaria a, mais tarde, desenvolver os seus próprios mísseis navais.
Embraer preocupada- No eixo Brasília-Buenos Aires, o tema da cooperação no setor aeronáutico foi tratado sob completo sigilo durante pouco mais de seis meses, até ser revelado, na terceira semana de outubro, durante a festa que marcou o roll out do jato cargueiro Embraer KC-390 – aeronave cuja rampa traseira é produzida na Fábrica de Aviões Brigadeiro San Martín, da província argentina de Córdoba.
Bem antes disso, ainda no primeiro semestre do ano, a direção da Embraer procurou o Comando da Aeronáutica para tratar dos termos em que a tal “Aliança Estratégica” seria apresentada à opinião pública.
Dirigentes da empresa brasileira temiam (temem ainda) uma reação desfavorável da empresa sueca SAAB, fabricante do Gripen, com a novidade da “Aliança” – e que esse descontentamento possa redundar em limitações à transferência de tecnologia que o governo da Suécia se comprometeu a autorizar, para a produção do caça no Brasil.
Executivos da Embraer também argumentaram que a parceria com Buenos Aires poderia, eventualmente, acarretar represálias de parte dos seus fornecedores europeus, especialmente no caso de a empresa aparecer como protagonista da parceria com os argentinos – na Europa vistos, ainda, como agressores, por causa da invasão das Malvinas, em abril de 1982.
Assim, mediante autorização da presidenta Dilma Roussef, tomou-se a decisão de redigir um acordo de governo a governo, envolvendo os ministérios da Defesa dos dois países.
Elisra - Em Brasília, o Ministério das Relações Exteriores enfatizou a necessidade de a "Aliança Estratégica" prever que as aeronaves destinadas aos argentinos terão seus componentes britânicos e americanos substituídos por equipamentos produzidos em indústrias alheias ao boicote de venda de itens militares a Buenos Aires, como a israelense e a sul-africana.
Durante a negociação com os parceiros brasileiros, os argentinos mencionaram como alternativa, especificamente, os produtos da companhia israelense Elisra Electronic Systems – subsidiária da Elbit Systems – que já participa do programa de desenvolvimento do jato subsônico de treinamento Pampa III (de roll out previsto para outubro de 2015), e da sul-africana Denel Aviation, uma empresa que provê manutenção para os caças Gripen C da Força Aérea Sul-Africana.
Os militares argentinos admiram a qualificação da Elisra no setor da aviônica militar, e especificamente, no fornecimento de receptores de Alerta Radar, suítes de guerra eletrônica e disparadores de flares e chaffs (bengalas despistadoras de mísseis lançados pelo inimigo). Entre esses produtos, um dos que mais chama a atenção, atualmente, é o sistema de Alerta Radar SPS-1000V-5FB, que opera integrado a um radar de enquadramento de alvos e ao sistema dispensador de flares e chaffs.
Esse sistema identificador de ameaças oferece ao piloto, num display de três polegadas, informações sobre o tipo e o ângulo de aproximação da ameaça, bem como uma estimativa de sua capacidade de infligir danos.
Turbina- A “Aliança Estratégica” embute, contudo, muitas outras dúvidas, a primeira delas acerca do status que Buenos Aires imagina vir a ocupar nesse acordo: se o de cliente ou o de sócio.
A princípio, o que os brigadeiros brasileiros percebem é que os argentinos se interessam vivamente por participar da construção do caça, fornecendo partes (possivelmente estruturais) que seriam produzidas em sua fábrica de Córdoba.
Outro sério problema é o fornecimento da turbina para o Gripen argentino.
A primeira ideia, de que esse propulsor seja fabricado nas instalações da GE-CELMA, no Estado do Rio – que já faz a montagem das turbinas dos E-Jets da Embraer –, parece um tanto otimista.
Técnicos civis e oficiais da Força Aérea Brasileira alimentam certas dúvidas sobre a obtenção de componentes estrangeiros para a produção de uma turbina destinada a um caça supersônico da Força Aérea Argentina. Até porque a GE-CELMA não é uma projetista de motores, e sim uma empresa de revisão e manutenção de motores aeronáuticos, que se qualificou, especificamente, como montadora de turbinas para as aeronaves de porte médio da Embraer.
Os argentinos também informaram que esperam receber os seus primeiros Embraer Gripen no ano de 2026.
Nesse momento a FAA negocia com a IAI (Israel Aerospace Industry) a aquisição de um lote de caças Kfir C-10 usados, em diferentes estágios de modernização. É certo que parte dessa remodelação precisará ser feita na Fábrica de Aviões de Córdoba, tarefa que os argentinos entendem como uma requalificação de sua indústria para lidar com aeronaves militares de alta performance.
O Kfir é definido pelos argentinos como um “avião de transição”, capaz de compor um esquadrão de defesa aérea pelo prazo mínimo de dez anos a partir da época de sua entrega, prevista para meados de 2016.
Nota DefesaNet
A Aliança Estratégica foi assinada oficialmente no dia 21 de Outubro, quando da visita dos dois ministros da Defesa, Celso Amorim e Agustin Rossi, à planta industrial da EMBRAER, em Gavião Peixoto, para o roll-out da aeronave KC-390.
No mesmo dia a imprensa de Buenos Aires mencionou a negociação das 24 aeronaves Gripen.
Na coletiva de imprensa após o anúncio do contrato com o Brasil, Lennart Sindahl simplesmente ignorou qualquer questão sobre o assunto.
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