Especialistas divergem sobre o tema: para alguns, medida avalia comprometimento ético do candidato, para outros, é uma afronta à liberdade de expressão
Cuidado com as ideias radicais ou piadas politicamente incorretas na hora de escrever a redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). De acordo com o guia de redação do exame, divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inpe), o texto pode levar zero se “desrespeitar aos direitos humanos”.
O critério, polêmico, divide os especialistas. Para alguns, é um cuidado importante com a postura ética do candidato. Para outros, a medida veta a livre exposição de ideias e a capacidade de argumentação do estudante.
O professor de Letras da Unesp, Benedito Antunes, concorda com o critério do Enem. “Esse desrespeito aos direitos humanos acontece por meio de manifestações racistas, geralmente quando o candidato tem a intenção de ser agressivo, como propor uma matança. Nesses casos, claro, a redação é anulada”, explica Antunes. “A simples manifestação ideológica não tem sido motivo de punição.”
Francisco Platão Savioli, docente da USP e do Anglo, tem a mesma opinião. “O aluno vai zerar apenas se for muito agressivo. Estamos no ocidente, e existe, mesmo que não formalizado por escrito, um consenso conceitual sobre o que é valor e o que é negação de valor”, diz. “É obvio que defender a erradicação da pobreza com a matança é um absurdo, mas defender um controle da natalidade é aceitável”. Para isso, por exemplo, é importante que o candidato se atente à melhor forma de defender sua opinão: “ele pode usar a expressão ‘planejamento de expansão demográfica'”, completa Platão.
Já a consultora de educação Ilona Beckseházy é radicalmente contra esse critério do Enem. Para ela, só a sugestão dos professores para que os alunos se utilizem de eufemismos já mostra o caráter deseducativo. “Isto é nefasto, é antidemocrático. Imagine que nossos jovens estão aprendendo a ficar em cima do muro, a não se comprometer, a dizer apenas o que o corretor vai gostar de ler.”
A correção da redação, diz ela, deveria levar em conta a capacidade de argumentação. “Se o aluno é ou não politicamente incorreto não cabe a algum corretor decidir.”
Mateus Prado, diretor do cursinho Henfil, discorda. “O Enem não quer saber só se você constrói uma argumentação, sabe a gramática, ele quer saber o que o aluno passou na escola, como foi a sua educação. Não está certo o estudante viver em sociedade e não pensar no outro”.
Menos certo ainda, acredita Ilona, é o estudante ter de forjar um posicionamento que não tem. “Porque, óbvio, muita gente, ao saber da possibilidade de zerar, usa argumentos que servem apenas para agradar o corretor. Não é o que ele acredita. De que vale isso”?
Critério usados para a correção da prova
Cada critério leva de 0 a 200 pontos. Veja os pontos avaliados pelo Ministério da Educação (MEC):
1. Demonstrar domínio da modalidade escrita formal da Língua Portuguesa.
2. Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias áreas de conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo em prosa.
3. Selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista.
4. Demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a construção da argumentação.
5. Elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos humanos.
O que mais faz a redação levar zero
Além do desrespeito aos direitos humanos, o Guia de Redação do Enem lista outros cinco itens que podem fazer um texto levar zero: fugir totalmente do tema; desobedecer à estrutura dissertativo-argumentativa; escrever um texto com até sete linhas; escrever impropérios, desenhos e outras formas propositais de anulação ou parte do texto deliberadamente desconectada do tema proposto; e entregar folha de redação em branco, mesmo que haja texto escrito na folha de rascunho.
Via: IG
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