A indústria
naval brasileira experimentou uma reviravolta nos últimos tempos. Da
euforia da retomada na última década, quando crescia 19,5% ao ano, o
setor passou a um quadro de demissões em massa e incertezas, em razão
dos casos de corrupção que assolam a Petrobras e parte de seus
fornecedores.
A
recuperação do setor, praticamente inexistente desde os anos 1980, foi
um dos pilares do governo de Luiz Inácio Lula da Silva desde o primeiro
mandato em 2003, quando anunciou em palanques a construção de
plataformas para a Petrobras no país. A medida era parte da política de
conteúdo local, impulsionada pela oferta de financiamento público. Da
pujança naval — decantada em discursos de Lula e da presidente Dilma
Rousseff durante as dezenas de visitas aos empreendimentos — resta agora
apenas a lembrança das promessas e o silêncio das autoridades, além de
milhares de trabalhadores desempregados em estaleiros de todo o país.
Desde o
início do ano passado, quando a crise no setor se agravou, os estaleiros
já demitiram cerca de 28 mil trabalhadores. Se somar os reflexos no
setor de máquinas e equipamentos, o número de desempregados já supera os
34 mil. E a crise não deve parar por aí. Estima-se que ao menos outros
12,2 mil empregos estão em xeque nos principais polos navais do Brasil,
dizem os sindicatos. Os pequenos municípios de Maragojipe, na Bahia, e
Rio Grande, no Rio Grande do Sul, ajudam a ilustrar esse cenário. Nas
duas localidades, as demissões já se refletem na economia, com piora nas
condições de vida, queda no faturamento do comércio e paralisação de
obras de infraestrutura.
CONSTRUTORAS CONTROLAM ESTALEIROS
O corte de
vagas é resultado do cancelamento de encomendas da Petrobras, com a
Operação Lava-Jato da Polícia Federal. Há ainda o imbróglio envolvendo a
Sete Brasil, criada para construir 29 sondas para o pré-sal e que tem a
Petrobras entre seus sócios. Citada na delação premiada de Pedro
Barusco, ex-gerente da Petrobras, a Sete Brasil — que teria recebido
propina de estaleiros — enfrenta problemas de caixa em razão do atraso
do BNDES em liberar um financiamento de US$ 21 bilhões. A crise já
forçou um dos bancos a solicitar pagamento antecipado de um
empréstimo-ponte ao Fundo Garantidor da Construção Naval até o mês que
vem.
A Sete disse
que contratou auditoria externa que concluiu que todos os contratos
desde o início de operação “estavam dentro dos padrões e preços
praticados no mercado internacional.”
Segundo
especialistas, o cenário é mais complexo porque boa parte dos estaleiros
tem como controladores construtoras envolvidas no escândalo de
corrupção da Petrobras na formação de cartel.
— Não vejo
solução imediata. A Sete Brasil não tem que ser destruída em função de
atos errados de seus executivos. Não podemos perder o que conquistamos
nesses últimos anos em termos de capacitação tecnológica e de mão de
obra — avalia Ariovaldo Rocha, presidente do Sinaval, o sindicato que
reúne os estaleiros. Em 2003, o setor naval gerava 7 mil empregos e hoje
emprega mais de 79 mil.
DÍVIDA DE US$ 1,25 BILHÃO COM ESTALEIROS
Especialistas
avaliam que alguns estaleiros terão de fechar as portas e as encomendas
serão reduzidas. Até então, com a perspectiva de dobrar a produção de
petróleo até 2020 pela Petrobras, a previsão era de investimentos de US$
100 bilhões na indústria naval até 2020. O coordenador da graduação em
Engenharia do Ibmec-RJ, Altair Ferreira Filho, lembra que Petrobras e
fornecedores respondiam, em 2012, por 13% do PIB:
— Vai ter um
freio de arrumação e alguns dos 11 maiores estaleiros atuais deverão
desaparecer. Mas é preciso alguma ação do governo para preservar o que
já foi conquistado.
Com as
denúncias de corrupção, a Petrobras reduziu os investimentos em 30% este
ano, para US$ 31 bilhões, e trabalha na redução de seu novo plano de
negócios, o que já é sentido pelos estaleiros.
Além disso, a
crise financeira na Sete Brasil afetou em cheio cinco estaleiros no
país, que estão sem receber desde novembro: a dívida chega a US$ 1,25
bilhão, segundo fontes. Um dos casos mais graves é o do estaleiro
Paraguaçu, em Maragojipe, que, após ter 7.200 trabalhadores, conta hoje
com 576 operários. A empresa é controlada por Odebrecht, OAS e UTC —
proibidas de serem contratadas pela Petrobras por suposta formação de
cartel —, além da japonesa Kawasaki, que é parceira tecnológica.
Em
Pernambuco, o Estaleiro Atlântico Sul (EAS) — controlado por Queiroz
Galvão e Camargo Correa, listadas na Lava-Jato, além da parceira
japonesa Ishikawajima (IHI) —, suspendeu o contrato com a Sete. Com
isso, 780 trabalhadores foram demitidos e outros mil correm o risco de
perder o emprego. Procurado, o EAS não retornou. Especialistas ressaltam
ainda que a IHI e a Kawasaki não foram envolvidas nos casos de
corrupção e, mesmo assim, têm seus investimentos ameaçados. Procuradas,
não retornaram.
SENSAÇÃO DE CONCORDATA BRANCA
Três
estaleiros ainda não demitiram: Rio Grande, Brasfels (RJ) e Jurong
Aracruz (ES). A Sete Brasil confirmou o atraso nos pagamentos e disse
que estuda novo empréstimo-ponte.
Entre os
investidores da Sete Brasil, há a sensação de que a empresa está em uma
espécie de concordata branca. Além da Petrobras a Sete tem como
acionistas os fundos de pensão Petros, Previ, Funcef e Valia, os bancos
Santander, Bradesco e BTG Pactual e os fundos EIG Global Energy
Partners, a Lakeshore, a Luce Venture Capital e FI-FGTS.
— Sabemos
que a Sete está sem pagar os estaleiros, mas foram os estaleiros que
subornaram para ganhar contratos na Petrobras — desabafou uma fonte dos
investidores.
Outro
executivo ligado ao negócio diz que a Petrobras ainda não assinou os
contratos de aluguel das sondas e estaria trabalhando com term sheets
(documentos preliminares), o que impediria a liberação do dinheiro do
BNDES. Ele credita a demora na assinatura ao ambiente desfavorável da
Lava-Jato ou a uma “arrogância corporativa da Petrobras”. Uma fonte da
estatal garante que os documentos definitivos estão assinados.
Fonte: O Globo/hthttp://portalmaritimo.com/http://saladeestado.blogspot.com.br/
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