O homem do mar pela natureza da sua
profissão, enfrentando temporais em regiões inóspitas, e ausente do lar e
da sociedade, já tem uma pré-disposição ao heroísmo. Quando se depara
com uma situação em que necessita de presença de espírito, decisão
rápida, perspectiva de perigo a enfrentar e de uma grande dose de
profissionalismo, temos de conceder-lhe o título de verdadeiro herói.
Foi o que aconteceu com o Capitão-de-Longo-Curso LUIZ AUGUSTO CARDOSO
VENTURA, Comandante do O/O “Jurupema” e sua tripulação.
O “Jurupema”, um mínero-petroleiro de
273 metros de comprimento, com capacidade para transportar 132 mil
toneladas de minério de ferro ou de petróleo, retornava do Golfo
Pérsico, com carregamento de óleo cru, carregado em Fujairah para o
porto brasileiro de São Sebastião, no litoral paulista, em uma travessia
prevista para aproximadamente 22 dias. Assim que deixou o Golfo de Omã o
“Jurupema” passou a enfrentar um mau tempo violento (monção de verão)
que persistiu por vários dias, com força entre 9 e 10 na escala
Beaufort, o que vinha causando algumas avarias ao navio. Após três dias,
em 22 de julho de 1996, navegando sob mar grosso, quando encontrava-se
na entrada do Golfo de Aden, que dá acesso ao Mar Vermelho, o
Comandante Ventura recebeu um telex bastante preocupante do RCC (Rescue
Coordination Center) de Pireus – Grécia, comunicando aos navios que
navegavam naquela área do Oceano Índico, que o cargueiro “Sundance”, de
bandeira cipriota, enfrentava sérios problemas e corria risco de
afundar. O telex adiantava que o navio fazia água na altura do porão nr.
1 a vante e embicava perigosamente. O “Sundance” tinha 29 pessoas a
bordo. Após verificar a posição do “Sundance”, cuja tripulação estava em
situação crítica, o Cmte. Ventura fez o cálculo para uma possível
aproximação, concluindo que levaria 8 horas para alcançá-lo e comunicou
ao RCC e à Transpetro que estava se dirigindo para o local, desviando-se
da sua rota, por motivos humanitários. O navio sinistrado deveria ser
avistado no meio da noite o que dificultaria bastante a prestação de
socorro. Temendo não chegar a tempo e ter que manobrar com um navio de
132 mil toneladas e 16 metros de calado, o Cmte. Ventura, informado pelo
RCC da Grécia de que mais próximo ao “Sundance”, encontravam-se o
cargueiro “Condor” e uma fragata francesa, tentou contato com essas
embarcações pelo rádio. Conseguiu com o “Condor” que respondeu ter
também recebido o pedido de socorro, mas lamentava não poder ajudar
porque, em vista da circunstância do mau tempo, estava navegando para
ré, apenas mantendo o rumo.
O/O JURUPEMA
A
fragata francesa não respondeu. Restou ao Comandante do “Jurupema”,
invocando a solidariedade marinheira, partir para dar assistência às 29
vidas que se encontravam em perigo.
Próximo da meia-noite o radar do
“Jurupema” localizou o “Sundance” e logo em seguida o Comandante Ventura
falou pelo rádio com o seu colega de nacionalidade ucraniana para saber
que tipo de assistência ele necessitava.O Comandante ucraniano
respondeu que sua situação era extremamente crítica, com água aberta no
porão nº 1 e mais de quatro metros embicado, suas bombas não conseguiam
esgotar o compartimento e o trim pela proa aumentava cada vez mais.
Disse mais: que estava tentando alcançar a ilha de Socotra onde havia
uma base russa que lhe poderia fazer os reparos adequados caso chegasse
lá. Pedia então que o “Jurupema” o seguisse, pois calculava uma
singradura de mais ou menos 15 horas. O Comandante Ventura, analisando
as circunstâncias descritas, duvidava muito que o “Sundance” atingisse
seu objetivo e concordou em seguí-lo a uma distância prudente (três
milhas). Ventura nem conseguiu descansar. Pouco antes das três horas da
manhã o oficial de serviço no passadiço lhe telefonou informando que o
Comandante ucraniano pedia uma aproximação urgente, pois iria abandonar o
navio que estava começando a ir a pique. A tensão ficou muito grande no
“Jurupema” já que, após o anúncio do abandono, não se conseguiu mais
contacto pelo rádio com o “Sundance”. Orientando-se pelas luzes do
convés que permaneciam acesas, o Comandante Ventura iniciou a
aproximação com dificuldade em meio a ondas de grande amplitude sem
saber o que estava ocorrendo devido a falta de comunicação. A caminho,
foi avistada uma balsa inflável vazia. A seguir, no meio da escuridão, o
som de apitos e o pisca-pisca de dois coletes salva-vidas que mantinham
duas pessoas flutuando. Quase ao mesmo tempo, mais distante, o brilho
de foguetes de sinalização. As ondas fustigavam o convés do “Jurupema”.
Ventura, sem poder parar sua máquina, pois o navio atravessaria à
corrente e correria muito risco, teria que decidir: tentar resgatar os
dois homens na água ou seguir em direção aos foguetes que deveriam estar
partindo de alguma embarcação com mais gente a ser salva. Optou pela
segunda alternativa. A meia milha de distância, o “Sundance” iniciava
sua inexorável viagem para o fundo do oceano.
Avistou então a baleeira com 15 pessoas
desesperadas tirando água do fundo com baldes e tentando remar em
direção ao “Jurupema”. Em vão. A baleeira subia e descia na crista das
enormes ondas e parecia que iria afundar a qualquer momento. A
aproximação foi bastante difícil. Ventura perdeu três ou quatro manobras
tendo que girar 360 graus a cada uma delas. A cada giro o mar varria o
seu convés, tendo o seu pessoal que se abrigar na superestrutura. Todos
os foguetes lança-retinidas foram usados, sem êxito, devido à força do
vento. Com uma aproximação mais ousada, Ventura conseguiu finalmente que
seu pessoal lançasse uma retinida manualmente para a baleeira,
trazendo-a para o seu contra-bordo. Continuou navegando lentamente, à
capa, com a baleeira a sotavento, enquanto os náufragos, um a um, subiam
pela escada de quebra peito com muita dificuldade. Já amanhecia quando o
último tripulante da baleeira, o comandante ucraniano, foi resgatado.
Ventura foi então inteirado da real situação. O capitão Lazarev, nome do
Comandante do “Sundance”, informou que havia mais uma balsa inflável à
matroca com mais doze náufragos entre eles o Imediato, o Chefe de
Máquinas e sua esposa. Como a balsa era dotada de transponder, foi fácil
localizá-la pelo radar.
O difícil foi aproximar-se e resgatar
seus 12 ocupantes. Pelo meio da manhã o Comandante Ventura concluiu com
êxito sua missão. Vinte e sete náufragos haviam sido resgatados. Mas
ainda restavam dois. Os mesmos que ele já avistara ao sabor das
gigantescas ondas e que haviam caído n'água ao abandonar o “Sundance”.
Era preciso voltar para tentar resgatá-los e assim o fez. Infelizmente,
porém, a visibilidade era péssima. Inúmeras varreduras foram feitas, sem
êxito. Não precisamos dizer com que tristeza o Comandante Ventura
abandonou o local sem poder resgatar aquelas duas vidas, embora tenha
salvo vinte e sete, numa operação heróica compartilhada com sua
brilhante tripulação. Os tripulantes foram desembarcados sãos e salvos
em Durban, África do Sul, após dez dias de viagem.
Mais uma página de solidariedade e
técnica marinheira, de desprendimento e amor ao próximo foi escrita por
um navio da Marinha Mercante brasileira.
Fonte:
CLC Álvaro José de Almeida Júnior
Website centrodoscapitaes.org.br
CLC Álvaro José de Almeida Júnior
Website centrodoscapitaes.org.br
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