Coronel Fernando Montenegro, hoje na reserva, defende teses polêmicas sobre como deveria ser a atuação da tropa na região
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Coronel Montenegro comandou uma das forças-tarefa que ocuparam o Alemão em 2010
Foto: arquivo pessoal |
JULIANA DAL PIVA
Rio - O coronel Fernando Montenegro comandou uma das duas
forças-tarefa que ocuparam o Complexo do Alemão em 2010. Agora, na
reserva, conta com exclusividade detalhes da organização da missão e
defende teses polêmicas sobre como deveria ser a atuação da tropa na
Maré. Para ele, o governo deveria decretar uma espécie de estado de
sítio na região.
O DIA: Qual a diferença entre o trabalho das Forças Armadas e da Polícia no Alemão e na Maré?
CORONEL MONTENEGRO: O Exército fica no terreno ocupando 24 horas.
Não reduz efetivo. Do soldado até o general, todos ficam lá dormindo
dentro da base. Você não vai para casa. É como se estivesse no Haiti. É
uma coisa extremamente desgastante. A Polícia tem um sistema de rodízio.
O policial fica ali um tempo e depois vai embora. Muitos deles fazem
atividade paralela, onde têm uma outra fonte de renda e muitas vezes dão
mais prioridade para aquilo que ao serviço. Alguns, todo mundo sabe,
gostam de ser policiais para poder ter a arma. Enfim, isso não me
interessa. O que quero caracterizar é que a forma de atuação do Exército
é muito diferente. Foi uma realização, mas muita coisa tinha que ser
feita para arrendondar a operação.
Como o quê?
Praticamente o mesmo que teria que arrendondar na Maré: uma regra de
engajamento que permita fazer o trabalho que tem que ser feito. A
situação em que se pode fazer o uso da força.
E qual seria a situação?
Uma regra para uma tropa nessa situação tem que ser similar a uma área
com situação de anormalidade, estado de defesa ou de sítio ou alguma
coisa que se aproxime disso. Isso é uma decisão no nível político. As
Forças Armadas acatam, mas está sendo um desrespeito (não declarar
estado de sítio) com a Constituição.
Foi assim que funcionou no Alemão?
Começou com uma operação de impacto e sem aviso. Não deu tempo dos
traficantes saírem de lá. Logo em seguida foi concedido um mandado de
busca e apreensão coletivo em que a tropa poderia entrar em todas as
casas. Você anda pelo Alemão e vai ver um paraquedas pintado na porta de
vários barracos e casas. Aquilo ali significava que a tropa tinha
entrado nas casas para fazer revista em busca de drogas e armas.
Achou-se muita coisa. Depois, pintava-se do lado de fora do barraco um
paraquedinhas para mostrar que aquela casa já tinha sido inspecionada.
Era mais por uma questão de gestão e organização. Você tinha uma
liberdade que não tem comparação. Na Maré, a tropa não tem liberdade
para entrar nas casas. No Alemão, funcionou assim por quatro ou cinco
meses.
Funcionava como um estado de sítio?
O que tinha era o mandado. O estado de sítio vai muito além. Tem toque
de recolher e várias coisas como a proibição de fazer reunião. É bem
mais limitativo. Só que essa mania do brasileiro de fazer o jeitinho
deixa mais complicado de você fazer a coisa funcionar do jeito que tem
que ser. As Forças Armadas não podem errar porque depois não tem ninguém
para chamar.
Mas não fica difícil para controlar casos de abuso?
O bandido tem muito mais liberdade do que a tropa para atuar. Teria que
ter uma liberdade pelo menos similar a do bandido. Ele tem a vantagem da
invisibilidade porque ele está diluído na população. Existem princípios
de uso proporcional da força. Se uma pessoa está para te dar uma
facada, você não pode dar um tiro nela. Isso é muito complicado.
Isso não criaria uma situação de confronto extremo em meio à população?
Já deu tempo suficiente para perceber que do jeito que está não vai
funcionar. A sociedade precisa decidir qual é o preço que ela quer pagar
para ter segurança. Isso logicamente envolve desgaste e envolve uma
escolha mais inteligente dos políticos.
Não é uma guerra no meio da cidade?
O Rio é o único lugar do mundo onde você tem grupos de 40 pessoas
andando com fuzil por becos e vielas e se diz que aquilo é uma situação
de normalidade. A gente chama isso de democracia? Já é uma guerra.
Nenhum país venceu o tráfico de drogas. Esse esforço não é inútil?
Na Inglaterra, EUA, Israel e França a polícia atua de uma forma muito
mais confortável e nem por isso fica uma caça às bruxas. Tem que dar uma
resposta proporcional à violência que está ocorrendo. Nesses países tem
um protocolo de atuação que não é tão questionado quanto os dos órgãos
brasileiros quando tem que fazer o uso da força.
Nos EUA há grande contestação à atuação policial em mortes envolvendo negros.
O contexto social é diferente. Lá tem muito mais segurança que no
Brasil. Tem policiais que cometem erros. Mas nos EUA, se você
desrespeita um policial como acontece aqui, qual a primeira coisa que
ele faz ? Saca a arma e aponta para você, vai um outro para cima e te
empacota todo, imobiliza e já te bota com a cara no chão. Isso aí no
Brasil, você vai botar a mão não pode: ‘imagina, só porque ele xingou’.
É preciso que se entenda que as UPPs são completamente diferentes das
Forças de Pacificação comandadas pelas Forças Armadas. Já se percebe que
as UPPs necessitam de ajustes de acordo com o lugar para ter eficácia.
DA REALIDADE À FICÇÃO
Após a missão de pacificação no Complexo do Alemão, o coronel Fernando
Montenegro decidiu ir para a reserva e trabalhar como consultor de
segurança. Além disso, convidou um amigo para escrever um livro de
ficção sobre a experiência vivida no Rio.
A obra levou o nome de ‘Comando Verde’. Segundo ele, o título foi
escolhido em função da maneira como o Exército passou a ser chamado no
Alemão depois da ocupação. “Em alusão ao Comando Vermelho”, conta o
militar.
Montenegro diz que aproveitou a obra para contar de modo romanceado
diversos detalhes da operação. “O livro fala muita coisa dos bastidores,
de forma diluída e ficcional porque, como protagonista, não posso dizer
ao vivo e a cores tudo que eu sei”, explica.
No fim do ano passado, ele se mudou para Portugal. Mas segue em contato
com antigos comandados que agora trabalham na Maré. Em artigo publicado
na última semana, ele diz ter ficado sabendo que o tráfico de drogas na
região reduziu o lucro de R$15 milhões mensais para R$300 mil .
O Dia/montedo.com
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