A venda de terras férteis a estrangeiros no Brasil preocupa o mercado.
A concentração da posse legal de terras aumentou muito nos últimos anos no Brasil e desperta preocupação. O último levantamento mais preciso, com dados de 2010, falava de 34,3 mil propriedades rurais sob domínio direto do capital externo, cuja extensão chegava a absurdos 4,5 milhões de hectares. O Instituto Nacional de Colonização Agrária (Incra) está fazendo outro levantamento, mas já sabe que houve aumento.
A “estrangeirização” das terras brasileiras não é um movimento exatamente novo.
Mas enquanto as questões
fundiárias e ambientais não estavam no topo da agenda e o mundo não
demandava tanto alimento como hoje – até o faminto gigante chinês ter
despertado – a situação era vista como aceitável. Ou quase nem era
“vista”. A realidade agora é outra: a acumulação de terras aumentou
muito nos últimos anos e desperta preocupação.
O último levantamento mais
preciso, com dados de 2010, falava de 34,3 mil propriedades rurais sob
domínio direto do capital externo, cuja extensão chegava a 4,5 milhões
de hectares. O Instituto Nacional de Colonização Agrária (Incra) está
fazendo outro levantamento, mas já sabe que houve aumento.
Comenta-se que, daquele total, aproximadamente 1,5 milhão de hectares foram incorporados apenas nos últimos três anos.
Os defensores de restrições
vão em todas as direções do espaço ideológico nacional – do ex-ministro
neoliberal Delfim Netto e entidades de empresários do agronegócio, como a
Abiove (setor óleo vegetal), a representantes de trabalhadores rurais e
organizações contrárias à concentração de terras, tais quais a
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e a
ActionAid Brasil.
Essa união de opostos foi
seguida pelo governo federal, que elevou, em 2012, as exigências às
compras de terras por pessoas físicas e jurídicas estrangeiras, além de
empresas brasileiras com domínio de capital estrangeiro. Uma das
exigências é o pedido de autorização para investimento. Mas a União
procura dar uma aparência de normalidade, especialmente para não vender a
imagem de que está bloqueando a entrada de capital externo.
O tema está em debate no
Congresso Nacional e, claro, há defensores desse tipo de aplicações de
recurso estrangeiro, com apoio de bancas de advogados que representam os
interessados e dos bancos e fundos de investimentos.
O sentimento que mistura
temores quanto à soberania nacional, neocolonialismo, desmatamentos,
substituição de culturas não alimentícias, avanço em fronteiras de baixo
desenvolvimento humano, entre outros elementos, foi sendo montado
seguindo alguns movimentos no Brasil e no mundo.
O primeiro deles é o
capital chinês que se espalhou pela África e já está presente cada vez
mais no Brasil, atrás da produção de soja em terras aráveis, além de
minérios.
Para assegurar mantimentos em seu país e
depender menos das importações, houve anúncios recentes de intenções de
investimentos no Brasil da ordem de US$ 11 bilhões. Na Bahia, o
Chongqing Grain Group, divulgou planos de investir cerca de US$ 300
milhões no Oeste da Bahia, enquanto o Grupo Pallas apontou investimentos
nos estados de Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia, para falarmos em
apenas dois movimentos.
“Eles compraram a África e agora querem comprar o Brasil”, disse em entrevista Delfim Netto, enquanto o presidente da Abiove, Carlo Lovatelli, advertiu recentemente: “Eles
estão procurando por terras, à procura de parceiros de confiança, mas o
que gostariam mesmo de fazer é correr o show sozinhos”. Como estão fazendo na Argentina e Peru.
Por falar em parceiros e
Argentina, há denúncias de que os empresários chineses – que sabidamente
se articulam com o apoio do governo local nos bastidores – estão usando
testas-de-ferro argentinos para a compra de terras no Brasil. Assim,
eles não aparecem. Segundo consta, isso já despertou as atenções da
Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
Mas na conta dessa
“invasão”, não são apenas os investidores da China que são alvo de
reclamações. Há movimentos notados de capital do Oriente Médio – outra
região altamente dependente de recursos naturais importados – e de
europeus e americanos, que tentam fugir da crise. Estes últimos têm
chegado ao Brasil, nos últimos anos, montados através de fundos de
investimentos.
O problema, na
visão dos agentes de mercado que querem regulamentar a entrada desse
capital no setor agrário, entre os quais José Mário Schreiner,
vice-presidente da poderosa Confederação Nacional da Agricultura e
Pecuária (CNA), é o tamanho da fatia desejada. Nos estados vistos como
última fronteira agrícola, notadamente aqueles citados anteriormente,
aos quais pode-se juntar o Pará, todos de baixo desenvolvimento e com
sérios problemas fundiários e sociais, os projetos envolvem grandes
extensões rurais.
Mesmo porque nos estados
mais desenvolvidos e naqueles com grande vocação para plantação de
grãos, pouco espaço há disponível diante da ocupação de grandes
latifúndios nacionais e internacionais.
Dados do Incra dão conta que
em Mato Grosso, por exemplo, um dos principais produtores e
exportadores de soja, com boa presença de algodão e milho também, os
estrangeiros dominam perto de 500 mil hectares e respondem por 5% do
plantio de grãos. E olha que o estado pode ser considerado de exploração
agrícola mais recente, tanto que em número de imóveis rurais é de
apenas 1,2 mil.
Já São Paulo, por exemplo,
são 12,2 mil imóveis, mas a exploração é mais antiga. O componente que
mais preocupa no estado é diferente dos demais. A procura dos
estrangeiros é para projetos em usinas de açúcar e álcool, com aquisição
e arrendamentos de canaviais, e na silvicultura. Obviamente que não são
culturas alimentícias e que avançam sobre áreas férteis (em um estado
menor e já densamente ruralizado), “expulsando”, pelo poder de compra,
pequenos agricultores.
Este é outro viés das críticas ao modelo de entrada dos estrangeiros, na visão da Contag e do estudioso do tema, o professor Bernardo Mançano, da Unesp de Presidente Prudente.
O acadêmico lembra em artigo
em Unesp Ciência (abril) um dos lados perversos dessa corrida por
terras em países pobres, conhecida pela expressão inglesa land grab: a
valorização desproporcional das terras. Se já não bastasse as terras
brasileiras serem valorizadas por conta de qualidade e custo de
mão-de-obra barata, a demanda pressiona a oferta.
Entre 2003 e 2012, segundo
pesquisa de Mançano, o preço médio do hectare no Brasil repicou de R$
2.280 a R$ 7.470. O pequeno e até médio agricultor não pode comprar para
expandir seu negócio porque não faturam para isso; quando não acabam
eles mesmos vendendo suas terras por não suportarem os custos de insumos
que crescem em paralelo à valorização, e muitas vezes voltam a viver à
margem da sociedade.
A conotação que atingiu a
participação de estrangeiros na exploração rural brasileira – que
envolve até pirataria de asiáticos com madeira e compras ilegais de
terras indígenas no Amazonas – está longe dos tempos em que os japoneses
e proprietários rurais americanos emprestavam seus sotaques aqui e ali
pelo Brasil, coisa que já vem mais acentuadamente desde os anos de 1970.
Fonte: www.thoth3126.com.brhttp://saladeestado.blogspot.com.br/
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